31 de dezembro de 2015

O ano em revista.


   Dois mil e quinze finda em poucas horas. Um ano atribulado, por cá e lá fora. Decidi, num inédito, sobrevoar, por assim dizer, os acontecimentos que marcaram a actualidade de doze meses particularmente intensos. Para tal, reveste-se de extrema utilidade observar os temas mais relevantes que tratei.

     Em Janeiro, o mundo foi surpreendido com a tragédia que ocorreu com o jornal satírico Charlie Hebdo. Desafortunadamente, assistiríamos a um massacre alguns meses mais tarde.
   Fevereiro começou com um drama pessoal: o falecimento do meu avô paterno. Fui confrontado, verdadeiramente, com uma primeira perda. Outras houve que, pela idade, não me mereceram tanta reflexão e abatimento.
      Já em Março, um desastre aéreo na Alemanha, causado por um piloto suicida, abriu de novo o debate em torno dos sinais que não devemos ignorar e da responsabilidade das companhias de aviação. Andreas Lubitz ficou conhecido pelos piores motivos.
       Em Abril, greves mil. Iniciei o mês, coincidente com o meu aniversário, abordando a greve e o direito à greve, numa explanação pelo Direito do Trabalho, uma área que não é a minha, é certo, mas da qual guardo boas memórias. O mês não terminaria, contudo, sem um evento que mobilizaria a blogosfera (se tanto, aquela em que me insiro). Os CIGNO Awards. Arrecadei dois.
   Maio trouxe-nos o velhinho dilema das febres futebolísticas. A comemoração de uma vitória no campeonato, pelo centro de Lisboa, provocou danos materiais e confrontos violentos.

       Julho... O termómetro vai marcando temperaturas cada vez mais elevadas, e quente também ficou a situação na Grécia.
     Em Agosto, Angola mereceu a minha atenção. O que penso relativamente ao terrífico regime que vigora por lá, a propósito de umas declarações de Ana Gomes, ficou registado. Já o mês se encaminhava para o final e a crise dos refugiados arrebatava a nossa atenção. Tive tempo ainda de me debruçar sobre a mulher, numa análise histórica e jurídica, sobretudo.
        Ia Setembro no seu sétimo dia e já certos comportamentos por parte de alguns jornalistas levaram-nos à discussão sobre os limites na cobertura de determinados casos mediáticos; a fronteira entre o informar e o devassar. Aproximando-se as legislativas, tivemos debates que fizeram emergir algumas questões que achei oportuno esclarecer, deixando ainda um repto quanto ao acto eleitoral.
        Em Outubro, caem as folhas e caiu a política por aqui. Tracei um rescaldo às eleições. Discuti, num primeiro momento, as Presidenciais, e ainda tive tempo para abordar a decisão do Presidente da República e os caminhos possíveis para conhecermos um novo Governo.
       Novembro, mês da castanha assada. Assado, perdoem-me a expressão, ficou também Pedro Passos Coelho e o executivo que liderou por breves momentos, sendo derrubado na apresentação do seu programa. Dias depois, Paris e o mundo emocionavam-se com o massacre que ceifou a vida a centenas de inocentes. No final do mês, referi as primeiras medidas da nova maioria parlamentar e a indigitação de António Costa e os seus desafios.

       No mês corrente, optei por não deixar cair em esquecimento o que se comemora no Primeiro de Dezembro. A meados, um artigo, o segundo (até ao momento), sobre as Presidenciais.

         Um ano que, como se vislumbra, não foi particularmente pacífico, benévolo e sereno. Tão-pouco a nível pessoal. Já o disse noutras circunstâncias, escusando-me a mais considerações nesse sentido. Espero que dois mil e dezasseis seja bem melhor. Para todos. No planeta, em geral; para mim, em particular. Que encontre a tranquilidade que me é recusada. O rumo. Será, como os anglo-saxões dizem, um turning point. Façamos por isso.

          Resta-me formular os votos. A todos, indiscriminadamente, desejo que 2016 seja um bom ano. Melhor do que o que cessa. Que o possamos encher de sorrisos e de alegria. Que os maus momentos não superem os bons. Boas entradas!

* A azul, as hiperligações para os artigos.

28 de dezembro de 2015

Nietzsche.


   O primeiro contacto com o pensamento de Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) teve lugar na minha conturbada adolescência. Alternava, portanto, entre escritos religiosos (a Bíblia, que li com subtileza tal que presumo não conseguir hoje; o (Al)Corão, que comprei traduzido, claro está, ainda que os muçulmanos defendam que perca a sua pureza, uma vez que a palavra de Deus ao Profeta, em árabe, é a sagrada; os cinco pilares da doutrina espírita) e Nietzsche, o incorrigível e militante ateu.

    Assim Falava Zaratustra foi a primeira obra que li do autor, bem novinho. O seu magnum opus, dito por mim, pegando nas inúmeras referências que encontramos a este livro em toda a sua bibliografia. Acredito, como alguns, que muitos têm os seus momentos de glória. E aqueles há que não os conseguem ainda que escrevam um quinhão apreciável. Nietzsche teve-o com o Zaratustra. Foi-me verdadeiramente importante familiarizar-me com uma visão do homem enquanto ser que se supera. Ademais, fui confrontado, pela primeira vez, rodeado que estava de crendices, com um Deus que está morto, com uma Igreja falida e decadente. Nietzsche eternizou-se com esta criação. A partir daí, podia ter ficado em silêncio até à morte física. Nasceu, como predestinou, póstumo. Mas não ficou.

      Anos volvidos, regressei ao filósofo, desta vez com A Gaia Ciência. Como geralmente me sucede, curioso, volto atrás e procuro as origens do que me encantou. Julgo, e Nietzsche que me perdoe, que esta obra é quase um prelúdio do que viria, sem querer tirar a originalidade do seu Zaratustra, que, aliás, surgiria autonomamente mais tarde. Com este livro, numa escrita mais ligeira e até amena, Nietzsche não descura aqueles que foram, pela vida, os seus alvos dilectos: a religião e a moral dos homens.

     Há dias, adquiri o terceiro livro que completa a minha colecção de Nietzsche, ainda que outras obras componham o seu legado: Ecce Homo. Um Nietzsche que, eu diria, todos procuram. Profuso, implacável, misógino, narcisista, mordaz, arrogante, pedante, snob, elitista, insano, assaz inteligente. Génio. Não sei se ainda estou disposto a ler algum outro livro de Nietzsche. Creio que o finalizo muito bem. Ecce Homo foi escrito no período em que a perturbação mental de Nietzsche se agravou sobremaneira, e isso facilmente se percebe. Os alvos mantêm-se. Noto certo sarcasmo em dose adicional. Desponta com todo o esplendor a sua veneração aos franceses e ao que da cultura francesa resulta. Não se preocupou em parecer bem aos olhos de quem quer que fosse. Discorreu na grandiosidade da sua mente fecunda. Mestre do aforismo, tão-pouco negligenciou essa arte em recorrer aos seus atributos inatos para nos fazer chegar a mensagem pretendida.

      Aconselho Nietzsche a quem busca um olhar esclarecido sobre a sociedade alemã do século XIX e uma resposta inequívoca à pretensão do catolicismo em resgatar as nossas almas. Jamais será consensual, daí que acredite que haja quem não lhe ache graça a seus olhos. Fica, no entanto, o essencial das três obras a que tive acesso, e o convite a que conheçam um homem que deixou o seu nome marcado indelevelmente na história da filosofia.

26 de dezembro de 2015

Kris Kringle | Mikel


   No desafio apresentado pelo Namorado, e que prontamente aceitei, do "amigo secreto", calhou-me em sorte o Mikel Shiraha. E digo em sorte porque, com efeito, conheço o Mikel. Estivemos juntos em algumas ocasiões. Não saberei, com exactidão, responder a determinadas perguntas do questionário, garantindo apenas que darei o meu melhor. Claro está que a tarefa queda facilitada quando temos algum contacto com o dito amigo secreto. Conheço o Mikel há uns três anos. É um rapaz simpático, atencioso. 
    Vamos lá, então. Uma pequena nota referente ao atraso na publicação: o Natal é um período que envolve algum dispêndio de tempo e de energia; fomos para casa dos avós, entretanto tive os preparativos da Consoada e do Dia de Natal, enfim, não me restando outra alternativa senão adiar. E vem muito a tempo, creio. :)

Cor dos olhos: Sou péssimo nestes pormenores, é uma vergonha, mas eu diria que são castanhos;

Número de sapato: (só tu, Namorado) Gosh, é-me tão estranho responder a isto (risos)... Hm... Err.. 41?;

Cor favorita: Estou convencido de que o Mikel já me disse isto... Não tenho ideia do contexto. Azul?;

Praia ou montanha: Vejo mais o Mikel a fazer montanhismo;

Tipo de música favorita: Pop, sem dúvida;

Data de início da actividade bloguística: Não posso afiançar, dado que o Mikel já teve outras plataformas, se bem que me recordo de uma conversa sua sobre um blogue de Pokémon, em 2004, salvo erro;

Personalidade que o amigo secreto o faz lembrar: Um roteirista. Um autor de seriado ou de novela, por exemplo, que considero, como de resto já lhe disse, uma área em que ele deveria apostar. E o formato novela é digníssimo, saibam. Porque os seus contos, a meu ver, facilmente seriam adaptados a uma série ou a uma novela. Têm acção. Não são narrativas estáticas. 
Na ficção, o Ash. Assenta-lhe bem;

     Espero que tenha feito um bom trabalho. Não vi o meu. Quem sabe e a quem calhei ainda o publica? Se não o fizer, fá-lo-á o Namorado. Justiça lhe seja feita.
      Continuação de boas festas.

24 de dezembro de 2015

Feliz Natal.


   O Natal é uma época de comunhão, de entrega. Uma reunião de família. Evocamos os vivos e tratamos de não esquecer os mortos. Tem um simbolismo especial. Das Consoadas fartas de risos, de sonhos, de magia e brilho. As mesas, ricamente decoradas de iguarias, entre um cálice de Boas Festas em votos que se brindam.

   Que possamos exportar o espírito da quadra para o ano inteiro. Que encontremos, enquanto humanidade, a paz que apregoamos nestes dias. Que façamos da tolerância, do respeito, da compreensão, da entreajuda, os guias, as matrizes, no relacionamento entre os povos. Porquanto o Natal, na celebração de Nosso Senhor Jesus Cristo, perpetua o seu nascimento entre os homens. O Filho Unigénito que veio em nossa redenção, livrando-nos da iniquidade e abrindo portas à vida eterna.

      A todos os que me lêem e seguem, aos amigos, os meus votos de um feliz e Santo Natal.


Mark



21 de dezembro de 2015

Christmas Time Is In The Air Again.


   Acordei bem cedo. Lá fora, a névoa tão característica da quadra. Podemos dizer, com firmeza, que estamos na semana do Natal. 
     Saí à rua. A mãe, despertando com os meus passos, perguntou-me o que iria fazer tão cedo. Sabe que os presentes estão todos comprados e adequadamente arrumados, incluindo o seu e os dos avós. Inquietou-me a ideia de deixar de apreciar a neblina por uma preguiça em saltar para fora da cama.

    Falei com o pai, ontem. Perguntei pela avó. Está triste. Será o primeiro Natal sem o avô em perto de setenta anos, contando o tempo em que estiveram casados e os anos de namoro. Acredito que a data não lhe traga mais do que dolorosas recordações. Quando chegamos a certa idade, pouco sobra do nosso ser vivente, porquanto fomos perdendo pedaços com quem vimos partir. Será o seu caso.

     A minha Consoada e respectivo Dia de Natal serão passados com a mãe e os avós, num jantar e num almoço intimistas. Não há grandes famílias, crianças correndo, embrulhos coloridos aos pés da árvore. Tudo muito sóbrio.
      Peguei na Bíblia. Quero ler passagens do Novo Testamento. Sublinhá-las. É tão humano socorrermo-nos de Deus quando nos sentimos fracos ou incapazes. Li-a em adolescente, naquelas leituras que fazemos por vontade incontrolável em aprender e por curiosidade, mas em que não possuímos, pela natural inexperiência, a capacidade para extrair devidamente os ensinamentos. Acredito que todos os livros religiosos têm as suas verdades, perfilhemos qual religião, ou nenhuma. Deus ter-se-á manifestado em cada um deles, inspirando os homens que os escreveram. Talvez a religião não seja o ópio do povo, como defendeu Marx. Talvez o homem seja o seu próprio ópio. Quando lemos escritos considerados sagrados, não devemos iniciar a empreitada esperando encontrar passagens que mereçam a nossa reprovação; devemos fazê-lo com um espírito crítico, sim, contudo numa leitura honesta, despojando-nos do nosso preconceito. Nada é intrinsecamente bom ou mau. Tudo tem a sua coerência. A Bíblia é um livro lindíssimo. Alguma passagem do Levítico, escrita há milénios, por mais injusta que nos pareça, desmerecerá uma obra de inestimável valor.

     Faltam três dias. O pai comemora o seu aniversário na noite de Natal. Tenciono vê-lo antes. Entretanto, façamos um balanço, pensemos nas nossas prioridades, e estejamos serenos. Para uns, estes próximos dias simbolizarão saudade, remorso; para outros, júbilo, confraternização, esperança. Que venham os doces e os papéis-fantasia espalhados pela carpete da sala de estar.

17 de dezembro de 2015

As Presidenciais (II).


   Estamos a pouco mais de um mês das eleições presidenciais. A bem ver, tentei evitar abordar assuntos políticos até ao Natal. A quadra em si propicia a uma pausa. As famílias juntam-se, muitas nos dois únicos dias do ano, e todos já pensamos nos doces e nos presentes. Não obstante, a vida não pára. E o acto eleitoral que se avizinha reveste-te de uma importância como nunca antes vimos. Eleger um Chefe de Estado, no nosso sistema, implica sufragar alguém a quem a Constituição mune de especiais poderes com relevância prática e constante. Isso pudemos verificar recentemente, com o impasse governativo em que estivemos pela demora do Presidente em empossar um Governo que garantisse a estabilidade social e económica do país.

   Uns candidatos desistiram; outros ficaram pelo caminho. A disputa será, à partida, sem prejuízo de algum que escape à minha menção, por lapso ou visível irrelevância política, entre Marcelo Rebelo de Sousa, Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva e Marisa Matias, com particular destaque aos primeiros três, mediante que os dois últimos representam facções que dificilmente, sejamos objectivos, lhes permitiria passar sequer a uma segunda volta.

   Como a imprensa adianta, há um favorito. Um favorito da Comunicação Social e de determinados sectores da vida pública. E a esquerda, que tamanhos obstáculos encontra em se unir, já o percebeu. Marcelo é católico fervoroso, é do PSD. Ainda que tente fazer esquecer a sua militância político-partidária, ela existe e faz-se sentir. Será um Presidente interventivo. Mais do que se desejaria ou até mesmo do que a Constituição faz presumir. A sua atitude, nesta campanha, não tem sido particularmente respeitosa para com os demais candidatos, seus adversários. A entrevista concedida na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa foi claramente uma instrumentalização que visou manipular a opinião pública. Um Presidente não tem necessariamente de ser um jurista, constitucionalista. Apresentar-se na sua escola não o torna um político mais confiável. Eu disse político? Como o Senhor Professor rejeita esse vínculo!

     O favoritismo de alguns órgãos de Comunicação Social constatou-se, nomeadamente, nos tempos das entrevistas. Marcelo foi beneficiado no dobro dos minutos permitidos aos demais candidatos. A par de injusto, a observação que no imediato nos merece, é tendencioso e intolerável numa democracia de quarenta anos. A acrescer, Marcelo passou por uma exposição televisiva de mais de uma década, através dos seus comentários políticos, ora na TVI, ora na RTP. Quem precisaria de cartazes espalhados pelas ruas do país?

       A postura do Partido Socialista favorece Marcelo Rebelo de Sousa perante o eleitorado; Marcelo que já reúne o apoio explícito do PSD e do CDS. O Partido Socialista demonstra não querer se comprometer com qualquer um dos candidatos do seu espectro político, o que debilita as candidaturas da esquerda, cujos esforços para sujeitar Marcelo a uma segunda volta carecem de maior empenho e determinação. O risco de uma eleição à primeira volta persiste. E Marcelo não quer sofrer a "síndrome de Diogo Freitas do Amaral", nas célebres eleições presidenciais de 1986, que obteve um resultado expressivo na primeira volta, sendo derrotado na segunda por Mário Soares, que reuniu até o apoio do PCP.

        Na tradição portuguesa, um Presidente eleito para um primeiro mandato é reeleito cinco anos depois. Quem iremos escolher, sentar-se-á em Belém até dois mil e vinte seis. O país não pode ficar refém de alguém que almeja a Chefia de Estado por forma a vingar uma carreira política fracassada. O preço de uma má escolha será, certamente, cobrado, e apenas a nós poderemos imputar essa decisão errada.

14 de dezembro de 2015

Dear Jesus.


   Lisboa, 14 de Dezembro de 2015,

   Querido Jesus,


   Este ano, decidi que apelaria a Ti. Dizem por aí que o Pai Natal é mito. Um mito, aliás, criado com fins lucrativos. Em todo o caso, saliento que mantenho a tradição de escrever uma cartinha pelo Natal. Certamente recordar-Te-ás, porque dizem que duas das características do Pai são a omnipresença e a omnisciência, e do Filho, infiro eu, que em todas as cartas referia a minha crença obstinada em Deus. E na Tua palavra, por suposto. O Pai Natal, em boa verdade, não passava de um destinatário fruto da influência das crianças, das revistas e da televisão. Ficava por lá, no cabeçalho da carta. No conteúdo, apenas Deus e eu. Raras vezes, ou nenhuma, Te referi. Assumo o erro. Pegando no catecismo, e já que a minha educação, como a da maioria do povo português, é católica, Deus reside no Pai, em Ti, o Filho, e no Espírito Santo. Ao dirigir-me a Deus, imediatamente Te invoco.

    Há dez anos, começaram as hostilidades. E o fim da minha família. Os pais entraram em guerra. Uma guerra que, se bem Te lembras, designava por Guerra Fria. Tal como a Guerra Fria, nunca assisti, felizmente, a confrontos. O pai e a mãe representavam o bloco ocidental e o bloco soviético, respectivamente. Houve mísseis na Turquia, em Cuba; houve, inclusive, uma invasão da Baía dos Porcos, mas pouparam-me, e pouparam-se, a dores maiores. Separaram-se suavemente. Eu diria que a relação de vinte anos se dissipou, se dissolveu tal qual o açúcar no leite quente. Na noite de Consoada, a mãe saiu depois do jantar. Foi ter com a sua nova família. Eu e o pai ficámos na sala. Eu olhava para a árvore, olhava para os presentes. O meu rosto, reflectido no vidro da janela, cintilava as cores das luzinhas, que piscavam em sintonia. Não entendia bem o que estava a acontecer. Sentia, no fundo, que passava por um abalo que alteraria para sempre o rumo das nossas vidas. Um mês depois, o pai disse-me: "(o meu segundo nome), a família terminou". As suas palavras ecoam no meu ouvido. Observo-o, sei a sua roupa, a divisão da casa, a sua posição, a hora do dia. Como se revivesse esse doloroso momento. O pior estaria por vir.

      Dois mil e quinze foi o pior ano desde dois mil e seis. Dois mil e seis, com efeito, foi o meu annus horribilis, do início ao fim. Como depois do terramoto vem um período de ligeira acalmia, recuperei nos anos seguintes. A minha "viradeira". Pensei que o tempo levaria a que, progressivamente, me esquecesse. Cresceria, teria a minha vida, autónoma, independente. Como nos enganamos. As respostas mudam. No sentido inverso ao expectável, cada vez doeu mais e mais. Pela inércia que demonstrei. Sei que era um imberbe adolescente, sei que pouco poderia fazer, mas teria sido suficientemente corajoso para afastar aquele homem dos destinos da mãe. Não teria problema em pegá-lo pelos colarinhos - e perdoa-me o tom agressivo, tão oposto ao Teu ensinamento de perdão, sou pecador - e afugentá-lo com uma repreenda bem dada.
      Senti-me no centro de uma derrocada. E tudo ruiu. Sob os escombros, fui construindo o meu débil edifício. Os materiais são de parca qualidade. Ao menor indício de tormenta, a estrutura oscila. E pode cair. A idade trouxe a experiência, a consciência, o discernimento. Não trouxe a paz de espírito. Que ainda procuro, sofregamente.

     Não Te pedirei brinquedos. Não sou uma criança. Quanto aos bens materiais, eu mesmo, humanamente, proverei. E certamente terás a quem socorrer. Apenas Te peço para que olhes por mim. Que perdoes as minhas crises de cepticismo, que não as nego. Mas só quem tem muita fé é que se pode dar ao luxo de duvidar, parafraseando Nietzsche. Ironia das ironias, mencionar um homem que sempre duvidou da Tua existência. O Teu coração é grande para acolher os incrédulos.


lots of love,
Mark

10 de dezembro de 2015

Christmas Gifts.


   Inevitavelmente, acercando-nos da quadra natalícia, não consigo deixar de pensar no que me oferecer. Já tive fama de consumista. Como se diz, e eu sou um apreciador dos ditados populares, acreditando que encerram em si verdades inequívocas, «fama sem proveito, faz mal ao peito». Com efeito, fui acostumado, mal, diga-se, a receber presentes para suprir certa incapacidade parental. Pensavam, creio, que os presentes surtiriam em mim uma compensação por tudo aquilo a que não tinha acesso e que era fundamental para um são crescimento.

    Não é verdade que compre muito durante o ano. A par de roupa e calçado, não significativamente, e de livros, estou aos meses sem comprar nada. Atendendo a que o Natal perdeu todo o seu sentido primitivo, transfigurado que está a uns dias em que não mais fazemos do que comer/engordar e presentearmo-nos mutuamente, decidi, desde há uns anos, que melhor seria oferecer-me. Contornava certa hipocrisia de, sob o signo do nascimento do menino Jesus, andar a trocar caixas de embrulho com meio mundo, e sempre pecava menos aos olhos do Senhor. Portanto, vamos lá comprar, «que tristezas não pagam dívidas» (já tinha dito que adoro a voz do povo). E como dívidas não tenho e tristeza tenho de sobra, nada a perder.

    Este artigo, ou post, como lhe queiram chamar, será assim um nadinha mais fútil, que combina com a quadra, convenhamos. Luzinhas, bolinhas, anjinhos, paz & amor, amigos "fóreva" (ainda que se odeiem o ano inteiro).
     Um casaco vermelho. Ando a namorar um casaco vermelho, lindo, que vi no El Ganso do ECI. Tem um senão: é caro. Três dígitos, sendo que o primeiro é o algarismo dois. Para um mero casaco é significativo. Ando a ponderar se o custo vs. benefício compensará a que venha a despender essa soma. O casaco é clássico, como gosto. E é vermelho, ou seja, não será um casaco para utilizar com muita frequência. Como a mãe faz questão de me recordar, eu tenho imensos casacos. Não precisaria, é verdade. Em vermelho, tenho um, mas é de uma fase meio casual que tive. Não gosto mais.

      Perfume. Natal sem perfume é como fazer compras no Colombo. Nunca sei que perfume comprar. Este ano, tenho sondado o mercado e gostei particularmente dos Spicebomb. De qualquer um da gama. Tem um certo aroma almíscarado com suave textura de madeira. Uma mistura interessante. Ao folhear o meu catálogo do El Corte, que será a minha Bíblia Sagrada/Código Penal/A Participação de Portugal na I Guerra Mundial/romance, policial, drama, comédia de cabeceira, dei com umas sugestões também elas de não ignorar. Aliás, aceito-as. Se quiserem sugerir-me algo, estejam à vontade.

     Consola de jogos. Fui daquelas crianças que adoravam jogar nas suas consolas. Da Nintendo (e tive todas até à GameCube, inclusive). Tive a PS2 e a PSP, no entanto quem me priva do Super Mario, priva-me de tudo. Pensei numa Nintendo Wii U. Porém, quem entende minimamente de videojogos sabe que as consolas da Nintendo têm um revés: a descontinuidade. Não tarda é descontinuada. Não consegue igualar-se à rival PS. E se comprar a consola, não compro o casaco, claro. Que isto é o Natal, não é o devaneio consumista.

       Por último, aquelas comprinhas circunstanciais. Um cachecol, provavelmente. Quente e ligeiramente colorido, sem ser espampanante. Vi uns, na Springfield da Guerra Junqueiro, bem giros. Como sou portador de um cartão da cadeia de lojas, que já acumulou uma quantia significativa, é seguro que vá lá dar-lhe uso. Talvez ainda compre uma mochila ou uma mala. Depende da verba que já tenha desembolsado até então.

        ... até nem é muito, pois não? Abrirei uma excepção para a mãe e a avó. Não sei que lhes dê. Ano após ano, já explorei todas as hipóteses. Não cairei numa brejeirice. Darei com alguma coisa.

        Esta publicação custou menos. Não vos enfadei com as inconstitucionalidades orgânicas, nem com as Guerras Púnicas. :)

6 de dezembro de 2015

Evocação do homem só.

 
    Uma tarde que anoitecera cedo. Um prenúncio de madrugada longa. A estação fervilhava àquela hora. Dezenas de pessoas encaminhavam-se para os respectivos comboios, no afã de um domingo que antecede outra jornada de trabalho.

    As luzes da estação incidiam sobre o átrio, desvendando um espaço amplo, frio, impessoal. Indiferente. Despedi-me à entrada. Quis dizer mais do que disse. Em como tudo estava errado na tela mal pintada. Por que terá de ser assim? 
    Lá fora, um amontoado de gente faminta. Alguns bem vestidos. A mendicidade batera-lhes à porta, acidental e bruscamente. O senhor das castanhas olhava de soslaio, desdenhando. A afluência espantava-lhe a freguesia. Velhos e novos, de todas as cores, proveniências. O voluntário não parava de sorrir, distribuindo sumos, pratos de comida indiscernível e palavras de apreço. Um breve contacto que, ainda assim, alenta em existências de solidão.

    Gesticula mensagens imperceptíveis. Brada aos que o rodeiam. Tem uma deficiência na perna que o impede de andar correctamente. A razão, há muito que perdeu. Mais um filho do colonialismo, da guerra e do sonho frustrado de uma vida de ventura na metrópole. O rosto preserva as marcas do sofrimento. Os olhos mantêm especial vivacidade e brilho, toldados, contudo, pelo intelecto que soçobrou aos anos de carência afectiva e de miséria.

      Os taxistas reúnem-se, conversam. Arrumam as malas portentosas dos passageiros nos porta-bagagens e arrancam. Os estabelecimentos das imediações fazem negócio. Tudo reportou-me, inexplicavelmente, aos vendilhões do templo. Não por um carácter divino do local, que não tem. Pela convivência entre o dinheiro, vil, profano, e a ajuda desinteressada de quem colmata necessidades tão prementes.
        E a virtude, sabemos onde está.

1 de dezembro de 2015

Um de Dezembro, o Dia da Restauração.


    Ligo a televisão num canal noticioso. Assisto a uma breve menção, e em rodapé, quanto à data que hoje se comemora, ainda que não mais seja um feriado oficial; suprimido, com outros, nas medidas  de contenção implementadas pelo anterior executivo. A identidade europeia, a sua construção, não é complacente com a exaltação de qualquer valor histórico, nacional. O último golpe surgiu com a supressão do feriado, data simbólica, que o recém-empossado Governo pretende repor, e bem.

    Escusar-me-ei a considerações históricas pormenorizadas. Encontrá-las-ão no meu artigo alusivo de há um ano, nomeadamente. Por respeito aos homens que lutaram para que hoje existíssemos como Nação independente, não poderia deixar passar em branco o dia que tantos insistem em olvidar. Assistimos por esse mundo fora a movimentos secessionistas, a guerras pelas independências, tão conotadas actualmente com o terrorismo. Junta-se na mesma lista organizações terroristas e grupos que lutam, embora não o façam pela via legítima, diplomática, pela autodeterminação dos seus povos. Também nós estaríamos nessa posição ingrata, sob suspeita das inteligências de dezenas de Estados, se a conjura de 1 de Dezembro de 1640 tivesse sido sufocada; se aquele grupo de homens não irrompesse pelo palácio real, prendendo a representante de Filipe III, Margarida de Sabóia, a duquesa de Mântua, fazendo cair o seu poder, e o do seu primo, no Terreiro do Paço.

     Portugal é o Estado europeu com as fronteiras, definidas em tratado, mais antigas. Conseguiu a custo, por séculos, escapar à lógica histórica, geográfica, cultural e linguística a que pertence, Espanha, aqui não enquanto Estado espanhol, numa apropriação indecorosa de um término comum a todos os peninsulares, mas como a herdeira da Hispania romana e visigótica. Por várias vezes El-Rei D. João III fez referência a esse costume castelhano que acabou por se impor. Afinal, a Espanha está quase unificada, mal ou bem, com maior ou menor resistência. O que tantos, por cá e por lá, tentaram e não conseguiram. Esse foi o anseio e o propósito de muitos dos monarcas portugueses, castelhanos e aragoneses. Se somos nós que escapamos à irresistível união, provavelmente não seria justo continuar a lutar em defesa de uma identidade à qual de sempre nos esquivámos.

     Talvez a nossa pouca memória faça parte de um plano meticulosamente engendrado, talvez seja um sinal dos tempos, da globalização, da perda sistemática de valores. Porventura, o acontecimento em si não merecerá mais do que uma nota de rodapé num noticiário das onze da manhã, e o errado sou eu em persistir (ou insistir...) numa batalha perdida. Que os restauradores, esses, por vinte e oito anos de guerra subsequente com Espanha, não perderam uma sequer. E tão pouco reconhecimento têm.