28 de julho de 2015

Desafio.


   Soube, pelo blogue do Namorado, que certo desafio tem percorrido a blogosfera: revelar cinquenta factos acerca da nossa infância. Há muito tempo que não participo num desafio, salvo erro desde o ano passado, e também é bom para descontrair. Silly season e tal. Vamos lá ver se arranjo cinquenta factos...
 
1. Em criança adorava ver a Sailor Moon e os Power Rangers;
2. Era mais alto do que os outros meninos, até o crescimento estabilizar, sentando-me na última fila - isto no primeiro ciclo;
3. Tive todos os filmes de animação da Disney - ou quase todos;
4. Odiava Matemática e as notas a essa disciplina não eram as melhores;
5. Era um queixinhas. À menor má resposta ou atitude da professora, mais agressivas, contava à mãe;
6. Tive verdadeiras sociedades da Playmobil, que ocupavam o quarto dos brinquedos inteiro;
7. Fui o primeiro miúdo do colégio a ter um Game-Boy;
8. Quando entrei no primeiro ano do primeiro ciclo já sabia ler; aprendi com a mãe e a avó, em casa;
9. Segundo a avó, quando percebia que queriam estar atentos à televisão, abanava o móvel para que ninguém pudesse ver (isto com uns dois, três anos);
10. Aos dez anos sabia o nome de todos os monarcas portugueses e Presidentes da República, por ordem, começando aí, talvez, o meu gosto pela História;
11. Não tendo amigos imaginários, criava sociedades, como referi acima, promovendo diálogos entre os bonecos, enredos. Conversava, em suma, sozinho;
12. Sofria com crises agudas de bronquite asmática, cíclicas, que me obrigavam a estar dias na cama;
13. Levei umas vacinas quaisquer, vindas da Alemanha, para controlo da asma;
14. Desenhava - como ainda desenho - pessimamente;
15. Não perdia uma emissão do SuperBuéréré, aos fins de semana;
16. Rivalizava com a minha prima pelo carinho dos nossos avós (paternos);
17. Não gostava de comer peixe cozido;
18. Enjoava à beira-mar;
19. Tinha medo do escuro, dormindo sempre com uma luz de presença;
20. Tinha um atlas do universo - uma paixão;
21. Gostava de frequentar a colónia de férias do colégio, sobretudo as piscinas da Praia das Maçãs;
22. O meu grupo de amigos era constituído, maioritariamente, por meninas;
23. Acreditava que seria advogado em adulto;
24. Passava longos períodos sem visitar os avós paternos;
25. "Queria" ficar doente para faltar ao colégio, mas sem falta de ar!;
26. Via as novelas brasileiras quando chegava do colégio, à tarde e até à hora de ir dormir;
27. Ficava em casa de babás, dado que os pais trabalhavam até tarde;
28. Ouvindo um barulho em casa, de madrugada, julgava logo que era uma alma penada ou um assaltante;
29. Tive canetas coloridas;
30. Compraram-me o meu primeiro telemóvel aos oito anos, um Nokia qualquer de que não me recordo do modelo;
31. Nunca acreditei em Pai Natal;
32. Aos seis, sete anos, bebi, pela primeira  vez - e última, Coca-Cola;
33. Elaborava uma lista bastante extensa de presentes;
34. Gostava de ir ao dentista;
35. Se havia local de sonho, esse local era o Toys'R'Us;
36. Tive o primeiro contacto com o Código da Estrada, aprendendo-o ao estudar um manual que encontrei por casa;
37. Frequentava, com os pais, uns barzinhos situados na Av. Almirante Reis, em Lisboa, onde é permitida a entrada de crianças, apesar de nunca lá ter visto uma que fosse a par de mim próprio;
38. Quando ia ao Alentejo, pelo Natal ou pela Páscoa, achava aquilo um fim do mundo;
39. Passava horas na biblioteca, em casa dos avós (maternos);
40. Tomava todo o tipo de medicamentos para a asma, incluindo xaropes e comprimidos enormes, difíceis de engolir, sem fazer má cara;
41. Gostava de andar no metro - o único transporte público que apanhava, e raramente;
42. Detestava, como detesto, o gelado Calippo, indiferente o sabor fosse;
43. Conversava muito nas aulas, o que me valeu repreendas;
44. Adorava ler banda-desenhada da Disney, da Turma da Mônica, do Asterix e do Tintin;
45. Ofereceram-me uma tartaruga, que ainda é viva. Tem perto de vinte anos connosco;
46. Aprendi a atar os cordões dos ténis / sapatos já depois dos dez anos;
47. Nunca brinquei na rua;
48. Em virtude de brincar sozinho, tinha de ser original: com panos da louça e molas fazia sereias;
49. Gostava de jogos de tabuleiro, a par dos tecnológicos;
50. Era tratado, pelo pai, mãe, demais familiares e pessoas que de perto conviviam comigo, como ainda sou, pelo segundo nome, sobrando o primeiro para o colégio e relações não tão próximas afectivamente. Isso levou a que, consoante a relação em causa, ao ser indagado pelo meu nome, optasse, opto, por um ou por outro;

   Não foi fácil elaborar esta lista, muito embora não tenha sido tão difícil quanto imaginava. Desafio cumprido. :)

24 de julho de 2015

Um casal.


   Pelas tardes, quando visito a avó, e também enquanto espero pelo amigo, acomodo-me numa das inúmeras lojas da Padaria Portuguesa. Tomo um café, que deveria cortar de vez, como um bolo, ou apenas bebo um sumo fresco, natural, dizem eles, que não encontro quaisquer grainhas no copo...
 
    Diariamente, cruzo-me com casais, sobretudo idosos, que por lá passam para tomar o seu chá, lanchar, quem sabe mudar um pouco a rotina, saindo de casa, caminhando. Senhoras que se apoiam nos seus maridos, e vice-versa, companheiros de uma vida. Um desses casais prendeu a minha atenção desde há umas semanas. A senhora, com ligeira curvatura nas costas, dificilmente consegue suster-se e ao senhor que a acompanha, que presumo marido, de idade avançada, ambos, e que envolve o braço no seu, que em pior condições se encontra. Os seus passos são lentos e arrastados, tentando manter o equilíbrio. Custa vê-los atravessar a estrada receosos, sob olhares indiferentes de transeuntes que passam ao ritmo frenético e profundamente individualista. Quem repara em dois velhotes?

    A senhora mantém certo vigor, comentando com o senhor - bons ouvidos vou tendo - que os «pastéis de nata deles não prestam para nada» e que «as cadeiras não prestam, já ocuparam os sofás» (duas poltronas castanhas junto ao vidro). Pedem o chá, comem um bolo, dividido ao meio. Diria, porque assim o aparentam, que são pessoas de certa posição, até pela postura e pelos seus trajes, mas bem se sabe que a crise afectou, e como, famílias mais tradicionais.

     Atentou em mim, a senhora, percebendo eu que se referira ao tablet. Achou graça à «engenhoca» que «o neto tem», acabando por confessar que queria um. Daí a começar a esboçar-me um sorriso foi um instante, embora tímido e ligeiramente desconfiado. O senhor, por sua vez, agradeceu-me o gesto quando lhe alcancei a cadeira, que estava afastada, permitindo assim que se pudesse sentar.
      Não tendo serviço de mesa, os empregados têm a noção de que se trata de um casal de idade avançada, de mobilidade reduzida, que com dificuldade conseguiria levar o tabuleiro até à mesa; ajudam-nos, portanto, nessa tarefa.

       Dou por mim a indagar-me em se conseguirei chegar a tão longeva idade. Se terei alguém assim, por perto, fazendo-me companhia, conversando comigo, auxiliando-me nos passeios que venhamos a dar. Porque o envelhecimento é, em si, um capítulo da vida como os demais. De profunda e visível decadência física e mental. Para vivê-lo sem a dignidade que a idade nos merece, melhor será partir no tempo em que tudo faz sentido, sem depender da boa vontade, quantas vezes forçada, de terceiros. Este casal é um exemplo de coragem. À sua maneira, aprenderam a viver nas limitações impostas pelas décadas que carregam, dando o sentido possível às horas dos seus dias. E por que não encontrá-lo num café, repleto de bem intencionados desconhecidos?
 

20 de julho de 2015

O futuro.


   O período de apresentações orais e de entrega de relatórios está a terminar. Findo este ano lectivo, será correcto dizer que fico a meio caminho de uma pós-graduação, faltando, para a completar, a tese, que será o mais importante.
    Recordo-me de por várias vezes referir que esta área surgiu por casualidade, quando confrontado com as únicas opções que tinha pela frente, atendendo àquilo de que gosto. Na altura, há cinco anos, pesou mais a razão do que a emoção, e uma das minhas paixões por excelência acabou por sucumbir diante de uma ciência mais ou menos desconhecida para mim, ainda que tenha juristas por perto. Fui bem sucedido, avançando cadeira ante cadeira, caso contrário teria mudado de imediato. Todavia, encarava o estudo, a necessidade de me formar, mais como uma obrigação do que como um gosto, um prazer, que verdadeiramente não tinha ao abrir os livros de milhentas páginas que tive de ler ao longo da licenciatura. Aprendi, enriquecia-me, mais do que enriquecer o currículo; folha morta, quantas e quantas vezes não justifica o que as pessoas sabem, a experiência ganha pela vida. Daí que tenha decidido, e sem hesitar, que não enveredaria por nenhuma profissão em Direito. Quando não estamos de corpo e alma no que fazemos, quando não sentimos o que designo por chamamento, o dito apelo, não vale a pena. Teria orgulho no que, porventura, viesse a conquistar, usaria em meu benefício, mas tão-só.
 
    Já nas aulas de mestrado, sem a necessidade de saber para demonstrar conhecimento, preocupado inteiramente em aprender, contactei com um lado do Direito que me surpreendeu: afinal isto pode ser giro, bastando para isso estudar com alguma curiosidade, encanto, o que não revelei por anos. Tratando-se de me especializar num ramo do Direito que, de certa forma, me prendeu mais a atenção, volta e meia relacionei as vertentes e percebi o mundo de possibilidades que estava diante de mim. Mais do que útil, e mesmo estando já explorado, com muita doutrina elaborada, ainda há o que descobrir, contributos a dar. Não quer isto dizer que já me convenci em trabalhar na área - não, decididamente não o pretendo fazer, e os lugares a que me venho candidatando bem o evidencia.
 
     Em semanas decisivas como estas - e lembrando-me da opção que fiz, precisamente há um ano, em seguir pelo mestrado em Penal -  pondero talvez ficar com o que tenho, trabalhar, ou tirar uma pós-graduação em Jornalismo (não, não está esquecido). Conjugar as duas últimas, o que seria ouro sobre azul. Sem sombra de dúvida, não seria minimamente feliz exercendo qualquer profissão jurídica, tampouco seria um bom profissional, uma vez que não é suficiente ostentar um cv sem mácula; é preciso gostar, não ter objecções existenciais.
 
      Vejo-me numa redacção, vejo-me como pivot de telejornal (com o revés da fama, que rejeito). Um noticiário qualquer durante as madrugadas ou no alvorecer, as horas em que ninguém os vê. Ter a minha vida pessoal escancarada na primeira capa de um jornal, mesmo sem "nabos na púcara", passo a expressão, é assustador. E sair à rua para comprar pão e ser abordado por x e por y, mesmo em dia manifestamente 'não', e ter de ser risos e simpatias, cinicamente, não faz o meu género. Que dilemas!, quando pouco se é de atrevido para a vida. Sou recatado, aprecio a calçada quando os demais atravessam a estrada principal, não procuro fama e nem dinheiro (não mais do que o essencial para ter uma vida digna e algo desafogada). Posso apresentar o noticiário e depois desaparecer?
 
       Como queria ser como os demais, que estudam, começam a trabalhar, simples e felizes, cheios de certezas e de rectas a delimitar. Tudo em mim tem sido o caos. O ganha-pão não seria diferente.
 

14 de julho de 2015

Rumo à Índia.


    Desde que Portugal iniciara a sua epopeia marítima, nos inícios do século XV, embora o infante D. Henrique tenha enviado com frequência, desde 1421, embarcações tendo em vista o reconhecimento da costa ocidental africana, pouco longe se havia ido em direcção ao sul. O cabo Bojador, de enfoque no Atlântico, a sudeste das Canárias, era, à época, considerado intransponível, envolto numa aura de mistério e superstição, e desde a Antiguidade que assinalava a fronteira de toda a navegação marítima para sul. Até que, em 1434, Gil Eanes, escudeiro do infante, decide-se a dobrar o cabo.
 
    Não é menos verdade que a maioria dos capitães portugueses realizasse apenas negócios insignificantes de pirataria, contudo, havia homens animados por um verdadeiro espírito de partir à descoberta, buscando novas paragens. Entre eles encontra-se Alvise Cadamosto que, contratado pelo infante, e acompanhando os portugueses nas viagens de exploração, descobriu, em 1456, as ilhas de Cabo Verde, e explorou a costa da  zona das embocaduras do Senegal e da Gâmbia, sobrando para a posterioridade os seus relatos. Foi um navegador e um marinheiro exímio, deixando informes pormenorizados acerca das suas viagens.
 
     Quando D. Henrique morreu, em 1460, tinha-se atingido a Serra Leoa, o objectivo inicial. Todavia, por muito gloriosos que se mostrassem os feitos alcançados, estes êxitos palpáveis, o factor determinante consistiu na circunstância de o Infante ter concebido e permitido a empresa que lhe sobreviveria e que permitiria que Portugal se posicionasse como uma verdadeira potência à escala mundial. Após a sua morte, as navegações prosseguiram, à vela de outros empreendimentos que começara. Nesse sentido, a ilha da Madeira foi povoada e tornou-se gradualmente uma zona açucareira, produto que se passou a vender em toda a orla do Mediterrâneo e no mar do Norte. Prosseguiu-se e consolidou-se o domínio militar português em Marrocos, já no reinado de D. Afonso V. Finalmente, tendo-se prosseguido as viagens ao longo da costa africana,  os navegadores portugueses João de Santarém e Pêro de Escobar chegaram à costa do golfo da Guiné, comunicando e negociando com as populações nativas recolectores de ouro, saindo a rota comercial deste metal das mãos dos mercadores que o transportavam pelo Saara para os portugueses.
 
      Revelou-se decisivo o facto de D. Afonso V ter entendido a importância dos planos de D. Henrique e manifestar vontade de continuar a obra encetada. Houve, também, uma leva de acontecimentos políticos que impulsionaram sobremaneira esta decisão, pois a conquista da Ásia Menor pelos turcos e a queda de Constantinopla, em 1453, que marca o fim da Idade Média, desferiram um duro golpe na anterior prática comercial com o Oriente. A procura de novas possibilidades mercatórias na Índia era imperativo. Assim, encontrou-se um meio adequado ao seguimento do projecto de D. Henrique, quando D. Afonso V arrendou por cinco anos o exclusivo do comércio com a Guiné ao mercador Fernando Gomes, que se comprometia a promover o descobrimento de cem léguas de costa, anualmente, para lá da Serra Leoa. A exploração aqui era uma questão de tempo e, com efeito, em poucos anos reconheceu-se a faixa costeira até aos Camarões. Mas após a expiração do contrato e com a descoberta de minério, ouro, a Coroa reservou para si todos os direitos e benefícios de ulteriores descobrimentos, monopolizando o comércio africano.
   
       Com toda esta sólida base, podia-se ir mais além. Em 1487, Bartolomeu Dias, com três caravelas, abasteceu-se na Mina e seguiu a rota do seu antecessor, Diogo Cão, a caminho do sul. Apanhado por uma tempestade, a armada esteve treze dias sem avistar terra. A costa que avistaram, por fim, corria para leste. Tinham atingido e inclusive dobrado o extremo sul do continente. Na viagem de regresso, Bartolomeu Dias apelidou-o de "Cabo das Tormentas", dada a sua turbulência, que D. João II rebaptizaria mais tarde para "Cabo da Boa Esperança", pelas perspectivas que se adivinhavam de se ter descoberto a passagem marítima para a tão desejada Índia, empreitada que caberia a Vasco da Gama, entre 1497 e 1498, assinalando o início de uma fase da política colonial portuguesa, com epicentro no sul-asiático.
 

10 de julho de 2015

Canada.


   Ontem estive pela cidade com o amigo e uma prima sua emigrada na Suíça. Exceptuando o seu pai, todos os demais tios estão emigrados, ora pela França, ora pela Suíça, e até no Luxemburgo. Também ele começa agora a pensar em sair do país. A precariedade do emprego leva-o a perder a esperança em alguma melhoria da situação económica. Melhoria apregoada pela maioria governamental, irreal, pura propaganda eleitoral. No quotidiano das pessoas, na gestão dos seus recursos financeiros, nada tem mudado.
 
   Não tenho espírito de emigrante. Ele terá. Há essa vocação, na sua família, de sobreviver lá fora. Tampouco tenho familiares emigrados. Apenas uma tia da avó, ainda viva, de noventa anos, que nos anos quarenta do século passado casou com um inglês, mudando-se para o Canadá e assentando, por fim, onde ainda está, nos E.U.A. E dentro do território norte-americano passou por vários Estados. Não será uma emigrante na acepção do término. Há quem supere as adversidades dos primeiros tempos, que sei que existem. Eu, que não sou especialmente motivado, depressa esmoreceria. Sair do país com uma mala de cartão, qual Linda de Suza, é uma aventura que não fará sentido, a par de ser arriscado. Os anos sessenta já lá vão. Saindo, só com um emprego prévio, e bom, e totais garantias.

     Passeámos pelos locais de eleição de qualquer turista, conquanto seja ela portuguesa de nascimento, do norte, não conhecendo tão bem a capital. Falou-nos da sociedade suíça, que o amigo conhece de visitas ao país. Do civismo do povo, numa realidade tão distinta da que temos por cá.
     A Suíça não é o meu país de primeira frente. Falando com o amigo em emigrar, e ultimamente a ideia tem pairado sobre nós, consensualmente decidimo-nos pelo Canadá. O Canadá, à semelhança da Dinamarca, da Noruega e da Suécia, bem como dos Países Baixos, menos, é o meu paradigma de país ideal, que não os há. A sua prima, ao saber disto, perguntou-nos por que não os E.U.A, ou México, que é quente. Concordamos que a sociedade estadunidense é profundamente antiquada (para ser brando) no seu ordenamento jurídico. Perigosa, desigualitária, há muito que o sonho americano não passa de uma utopia. O México, bom, mal por mal fico no meu país.

     O Canadá terá os seus problemas como qualquer outro país. Tem uma política de imigração rígida, frequentemente deportando indivíduos em situação irregular, inclusive portugueses. Em todo o caso, figura como um dos melhores países do mundo em todos os índices. É o segundo maior país do mundo em extensão territorial, no entanto a sua densidade populacional é baixa, o que se explica pelas condições climáticas agrestes, o que não representará, de todo, um problema para ambos, que preferimos o frio. Nesse sentido, passámos pela Embaixada do Canadá, que fechara horas antes. Obtivemos uma informação errada pela internet. Lá voltaremos, a tempo, buscando mais dados. Talvez nem cheguemos a emigrar, sendo apenas, de momento, uma hipótese não disparatada.

     Eu gosto de Portugal à minha maneira. Recordo-me de umas férias no sul de Espanha, há uns anos, em que uns amigos da mãe, espanhóis, com certeza, divertiram-se a relatar as proezas dos obreiros espanhóis que estiveram envolvidos na união de 1580. Em como Portugal não merecia mais do que ser uma "comunidad autonóma" de Espanha, enaltecendo a sua pátria e procurando diminuir o nosso país aos nossos olhos. A mãe lançou-me um olhar de indiferença ante a quezília, dizendo-me para não dar relevo. Era miúdo, adolescente, mas soube defender o meu país. Confrontei-os com as alarvidades que disseram, como Carlos V do Sacro-Império (I de Espanha) ter sido rei de Portugal, quando apenas o seu filho, Filipe II de Espanha (I de Portugal) o foi, já o seu pai expirara há muito... Critico o país porque o amo. O que não obsta, claro está, a que venha a sair, nomeadamente para o Canadá, porque como o amigo diz, brincando: "Cá-nã-dá".
 

6 de julho de 2015

Os deuses estão loucos.


    Por semanas tenho evitado abordar a crise grega, que em bom ver ultrapassa as fronteiras do país helénico. A situação actual da Grécia apenas se distinguirá da realidade portuguesa pela extensão das graves consequências que tem tido. Sem financiamento para garantir a liquidez da sua banca e com o pagamento dos empréstimos ao seu principal credor, o FMI, em atraso, a Grécia vê-se num limbo extremamente perigoso, comprometendo-se a sua permanência na moeda única, falando-se desde há muito nesta hipótese.
 
    Os líderes da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, do Eurogrupo e do BCE, bem como Angela Merkel e o seu ministro das finanças, têm presente o efeito contágio que uma eventual saída da Grécia da moeda única europeia poderá ter em países cuja estabilidade da economia é discutível. Muitos foram aqueles que viram a vitória do Syriza como uma possível lufada na sociedade grega. Mantendo-me cauteloso, percebi que nem sempre o populismo se coaduna com negociações sérias. E a Grécia precisa que o BCE e o FMI a financiem. Sem acordo, e com esta vitória contundente do "Não" num referendo em que pesou mais o descontentamento do que a razão, não será difícil de prever que o Euro, num primeiro momento, e a UE, seguindo-lhe os passos, ressentir-se-ão dos efeitos que esta crise agravada inevitavelmente terá. No quotidiano do povo grego é perceptível: instituições de crédito encerradas, levantamentos de remessas condicionados, afluência desmesurada de pessoas aos estabelecimentos comerciais procurando precaver-se de uma escassez que já se vislumbra.
 
     Nunca fui partidário da austeridade. Numa lógica simples, meramente económica ou matemática, medidas de austeridade levam à contracção da economia. As famílias não compram. Não se consumindo, não se produz, não há emprego, não há o menor desenvolvimento. E escuso-me, por ser desnecessário - todos as conhecem, a considerações de ordem moral.
 
      Não me revejo na linha ideológica extremista do partido que governa a Grécia. Creio que a demissão do seu ministro das finanças peca por ser demasiado teatral. O curioso é que a posição radical e inflexível, inicial, de Tsipras e de Varoufakis deu lugar a um discurso moderado. Hoje falam em negociações, aludindo sempre à malfadada austeridade, mas sabem que uma eventual solução passará por ajustar as condições de financiamento. Sabem que não há Grécia fora da UE, não neste momento, e que o que esperará à Grécia se regressar ao dracma, emitindo moeda própria, será a desvalorização imediata e a consequente inflação, conduzindo o país à mais absoluta miséria. Um triste fim, que os países não o têm. O regozijo pela vitória do "Não" deveria ser mais moderado. O que está em causa não é o finca-pé entre o governo grego e os credores; é chegado o momento de ver, entre o mau, o que é pior. Porque há pior. E quem ergue a sua voz contra a austeridade irracional pela qual os gregos passam, e nós por cá sabemos qual é, tem o dever de esclarecer o povo acerca do que poderá vir a acontecer se a saída do impasse for a que ninguém quer. Em bom português, a honra de barriga vazia de nada valerá, e o orgulho, por vezes, tem um preço bem elevado. Claro está que não será Tsipras nem os seus ministros que sofrerão. O povo, por eles influenciado, será responsabilizado pelo que decidiu nas urnas. Referendar medidas desta natureza é um puro golpe estratégico. Eu sabia que o resultado seria este. Para isto o povo tem vindo a ser adestrado.
 
      As soluções mágicas existem nas fábulas. Na vida real, na vida concreta das pessoas, na governabilidade de um país, o equilíbrio encontra-se no consenso. O que é difícil de atingir. Temendo o contágio que referi acima, sim, mas ainda assim revelando uma condescendência quase divina, os credores gregos estão dispostos à negociação. E o primeiro-ministro grego também. Com serenidade, mas depressa, terão de se entender. Para o bem deles... e o nosso.
 

2 de julho de 2015

Grandma.


   Ontem, decidi ir até à casa da avó paterna. Desde o falecimento do avô que não a via. Completou, na passada sexta-feira, oitenta e sete anos, idade louvável, o primeiro aniversário sem o avô em perto de setenta anos de vida em comum. Achei-a bastante magra, mais do que lhe é normal, tratando-se de uma senhora que nunca se alimentou bem. Diagnosticaram-lhe, há uns anos, anorexia nervosa. Disse-me que, além dessa patologia, sofre de uma depressão crónica. O humor da avó sempre foi instável. É provável que o seu quadro clínico tenha sofrido alterações com esta perda tão devastadora. Se raro é o dia em que não penso no avô, ainda que não fôssemos próximos afectivamente, porque o éramos fisicamente, consigo imaginar as inúmeras lembranças que povoam a sua memória.

     A casa é grande e por todo o lado se respira quem por lá passou: a bisavó, um tio falecido, agora o avô, fora tantos outros familiares que em algum momento das suas vidas estiveram sob aquele tecto. Já não se ouve barulho. Apenas o dos passos arrastados da avó. Não tem problemas de maior, fora os que mencionei acima, mas os anos pesam. Lúcida, como sempre, perspicaz, senhora de uma inteligência rara, dificilmente qualquer mensagem, por subliminar que seja, passa sem que dê conta. Embora nunca tenhamos sido amigos, a relação avó-neto foi turbulenta. A avó e a mãe frequentemente se zangavam e eu era como uma arma de arremesso. Influenciado pela mãe, passava longas temporadas sem visitar os avós. A par disso, a avó tem uma preferência manifesta por uma prima, talvez por ser mulher, talvez por ser filha do seu filho predilecto. Não sinto muito carinho da sua parte, mas, e antes tarde do que nunca, começo a ganhar-lhe afecto. Não quero sentir os mesmos remorsos que sinto em relação ao avô por não me ter inteirado a tempo do seu estado, por não me ter despedido. Nem eu sabia que, à minha maneira, o amava.

     O pai está mais velho. Quarenta anos nos separam. É um senhor grisalho, bem aparentado, de meia-idade, que vive com a mãe. Não sei que voltas deu que ficou sozinho. Creio que paga os erros de dois casamentos falhados, maioritariamente por sua culpa, não toda, em parte substancial. Mudou-se para casa da avó, e hoje, apesar de ter a sua vida e os seus negócios, procura dar atenção à mãe.
    Almoçámos os três e fiquei toda a tarde em sua companhia. Tentei, conscientemente, não tocar em assuntos melindrosos. Inevitavelmente falou-se do avô, de algum passado (são tão ou mais saudosistas do que eu). Ao final do dia, não senti que cumprira um dever, não. Senti que passara bons momentos com o meu pai e a minha avó, que ainda os tenho. E as visitas serão mais e mais frequentes. O tempo perdido não recupero, bem sei; estão vivos, bem de saúde. Tenho esse compromisso comigo e com eles.

     A morte do avô fez-me ver - algo tarde, como em tudo - que perdemos as pessoas. Aquelas de quem gostamos e aquelas que pensamos que não gostamos, mas que, volta e meia, a sua perda não nos é indiferente. O meu problema foi nunca ter sido confrontado com uma perda. Tive-as, claro, e até de familiares com um grau de parentesco bem próximo. Não voltar a ver o avô era hipótese que não me ocorria. Olhando para a avó, e hoje sei-o, percebo que talvez não mais a possa ver daqui a dois, três anos. Não lhe cobro mais afecto como cobrei durante toda a vida. Irritava-me que não gostasse de mim como da minha prima, esforçando-me por lhe mostrar que era melhor do que ela, fosse no colégio ou em qualquer outra actividade. Caprichos que de nada valem.

        E para a semana que vem visito-os novamente.