31 de março de 2014

Reflexões e momentos.


  Ontem, fui almoçar com a mãe. Tradicionalmente, os domingos são passados em casa dos avós. Há tempos que venho tentando quebrar com esse costume e já o transmiti à mãe. Perco a paciência para estar rodeado de muitas pessoas. Se sempre fui sensível a barulhos, não gostando igualmente de estar cercado, essa tendência tem se acentuado ultimamente, sobretudo quando há crianças pequenas na família. Tenho percebido que a vocação para ser pai é nula. Fui birrento, demasiado até, mas não gritava, guinchava e outros que tais. Pode-se dizer que era um menino educadamente chato e inconveniente. Irrequieto, sim, não me recordando de perder a compostura.

  Fomos a uma pizzaria. Oh, há séculos que não comia uma pizza! Soube-me pela vida! A mãe também é apreciadora. Escolhemos a típica Quatro Estações.
  Temos poucos momentos nos últimos anos. É comum a mãe chegar tarde. Eu, embora não me deite cedo, geralmente estou a estudar, portanto, aos dias da semana há poucos diálogos.

   
  Isolo-me cada vez mais. A idade só piora. Tenho absoluta noção de que serei um eremita, de futuro, não rodeado por gatos ou outros mamíferos (não posso). Bom, um eremita do século XXI, charmoso, bem vestido, grisalho, embora altivo, sobranceiro e até, diria mesmo, sisudo. Não que me desagrade. Temos de ser autosuficientes. Começo a dar razão a todos aqueles que defendem que depender de outros é o pior que pode acontecer. De atenção, de carinho. A vida é uma tragédia, já o sabemos. Temos de estar preparados para as condições adversas. Saber envelhecer (sim, já vou pensando nisso - homem prevenido vale por dez) com classe e sabedoria é virtude de poucos e anseio de muitos. O amor torna-nos frágeis e incapazes. O sexo, enfim, é uma questão de controlo. O celibato pode ser um estímulo para alcançarmos o nosso nirvana. Mais longe do Homem, mais perto da perfeição. Somos dotados da maior caixa craniana do mundo animal, mas tão débeis. Ser um senhor de meia idade que se cuida, pratica desporto, estimula o seu intelecto, pode ser altamente sedutor... para ele mesmo. E tenho bons exemplos que não reproduzo por elegância.

   Há que limar algumas arestas. Sou novo e tenho tempo para isso. Não posso ficar vermelho de raiva e inerte perante um bule que se vira e entorna o chá sobre os nossos livros e, quase, o mini portátil, como aconteceu na semana passada. Tive por perto uma colega que lá tirou uns guardanapos e os ensopou. Ainda me irrito com pormenores risíveis. Sei lá; seria de esperar que desse uma valente gargalhada. Passei horas a verificar os estragos - lamento mesmo que as páginas tenham ficado todas encarquilhadas ao secar.

   Entre pedaços de cogumelo e de milho, veio à conversa a aparente frieza da sua relação com o marido. Lá me confessou que não mais é feliz no casamento.

   "Troque. Já casou três vezes. Mude de novo!"

   Surpreendida, chamou-me pelos meus dois nomes próprios. A família, por hábito iniciado pela mãe logo após o meu nascimento, trata-me pelo meu segundo nome. A mãe nunca usa o primeiro. Conjugados, significa que: primeiro, está furiosa; segundo, está perplexa. Comprova-se o segundo.

   Tenho um respeito reverencial pela mãe. Algo quase sagrado, não obstante, o mesmo não me impede de alertá-la no sentido de procurar o seu bem-estar. Se não sente nada por aquele que o contrato que celebrou ainda diz que é seu marido, nada como uma boa e célere acção de divórcio. Nada lhe ensino. Ela saberá, melhor do que eu, os passos a dar. Tem experiência no assunto. Atendendo ao passado cada vez menos recente, mas que ainda guardo presente na memória, desligou-se do pai em Outubro de dois mil e cinco, sendo que se separaram em Fevereiro de dois mil e seis. Ora, dá quatro meses. Lá para Julho, Agosto, deixa este. É uma boa média. Ponha o assunto no seu advogado e mexa-se o quanto antes. A felicidade não esperará por si.

  Como o céu não auspiciava nada de bom, voltámos a casa, sempre conversando pelo caminho. Decisão acertada. Pouco depois caiu uma enorme chuvada.

    Uma tarde profícua.

28 de março de 2014

O mau jornalismo.


    De que Portugal tem uma péssima classe jornalística, isso ninguém duvida. Torna-se habitual fugir à isenção, sofrer pressões de forças ocultas, tomar partidos... Desde há dias, acrescenta-se mais um nome há já longa lista: José Rodrigues dos Santos. Para quem não sabe, ou não está a par, faço menção ao novo espaço de comentário de José Sócrates, na RTP1, transformado, ao menos a julgar pela primeira emissão, em entrevista política de qualidade duvidosa.

  Não vi aquando da sua transmissão original. Tendo conhecimento da polémica surgida nos meios de Comunicação Social, fiz uma busca incessante na net para dar com a malfadada entrevista. Ontem, já sossegado, pude assistir a meia hora de algo degradante para o jornalismo, até para um jornalista acima de quaisquer suspeitas, que julgava competente, profissional e imparcial.

   Sendo sucinto, ao longo do espaço de comentário, José Rodrigues dos Santos fez ataques ultrajantes a José Sócrates. Sócrates, evidentemente, é um hábil estratega político e soube contornar a situação, admitindo mesmo que não estava preparado para aquilo. A tudo rebateu com elegância e convicção. Mais tarde, perante críticas que surgiam, Rodrigues dos Santos tentou desculpar-se, ou, melhor dizendo, sustentar o seu procedimento num qualquer quadro deontológico da BBC!... Precisa de ir buscar critérios estrangeiros para maquilhar aquilo que fez, a quebra inadmissível na postura que um jornalista deve adoptar perante qualquer entrevistado ou interlocutor. O problema, José Rodrigues dos Santos, é nunca ninguém o ter visto tão acutilante com outros convidados / entrevistados.

   Como resposta às inúmeras críticas, Rodrigues dos Santos mostrou uma petulância que lhe era desconhecida, afirmando que aprendeu jornalismo na BBC, como se isso fosse selo de garantia! Foi mais longe ao dizer que, e cito, «não faz sentido esperar que um jornalista do "Avante", por exemplo, seja isento». De facto. Mas é de se esperar que um jornalista da RTP, por exemplo, o seja. E não o foi. Já sabemos que é controlada (tutelada), e tenho noção do peso desta palavra, pelos sucessivos governos. Não esperava que fosse tanto. Todavia, mantenho a principal objecção que referi anteriormente: este estilo do jornalista é desconhecido com outros entrevistados. Nunca ninguém o viu assim. Espero que o repita... com Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e outros que tais, quando não mais ocuparem cargos governamentais! Diria mesmo que é um imperativo de consciência; de outra forma, a sua reputação de jornalista, que já nada num curso de águas da chuva rumo à sarjeta, sumirá de todo.

    O que eu vi - eu e muitos - foi um ataque quase pessoal a José Sócrates. Por momentos, o direito à resposta e ao contraditório teve de ser invocado por Sócrates. Rodrigues dos Santos, e notava-se claramente, estava agressivo, alterado, utilizando um tom de voz e trejeitos inéditos. A pseudo-entrevista está pela net. Não vi o papel de "advogado do Diabo", compreensível e ético. Rodrigues dos Santos foi muito além disso. Roçou-se o pessoal, o ideológico. Só não vê quem não quer.

  Ainda que encontrasse contradições no discurso do ex-Primeiro-Ministro, cabia-lhe questioná-lo com tranquilidade e, sobretudo, deixando-o responder. Posteriormente, veio a público dizer que, num almoço, avisou José Sócrates das mudanças no seu espaço de comentário. Bom, as mudanças foram tão significativas que eu não vi qualquer espaço destinado ao comentário político. Eu vi uma entrevista conduzida por alguém afecto ao PSD / CDS-PP, travestido de jornalista. Sócrates tampouco estava à espera daquilo. Não houve qualquer isenção numa emissora de televisão paga por todos os contribuintes. Risque-se aquela meia hora da história da nossa televisão. A RTP veio defender a actuação do seu jornalista. Seria estranho se não o fizesse!

    Sócrates, e bem, continuará com o seu espaço de comentário semanal - ao que tudo indica mais interventivo, a partir de agora, da parte do jornalista / moderador que assumirá o controlo. Desistir seria fugir ou dar razão a Rodrigues dos Santos, justificar aquilo que fizera, sair pela porta traseira. Acredito que não esteja «divertidíssimo com o programa», como declarou, já todos conhecemos a personalidade de Sócrates, mas outra reacção não seria de esperar.

   Nutro uma simpatia pessoal por José Sócrates. Tivesse Rodrigues dos Santos coragem para admitir a sua antipatia. No entanto, fui imparcial nesta análise. 
   Abriu-se um precedente. Que outras figuras se sentem diante de José Rodrigues dos Santos e por ele sejam confrontadas, de forma igual, em directo. É o que espero a partir de hoje. E tenho tempo.

25 de março de 2014

Constitucionalismo Britânico.


    O Reino Unido, como sabemos, não possui uma Constituição escrita, formal, à semelhança do que acontece nos países da Europa Continental. Não há um único texto escrito onde estejam expressas as normas do seu edifício constitucional. Daí se falar, recorrentemente, que a Grã-Bretanha tem uma Constituição não escrita, unwritten constitution. Não significa isto que não haja leis constitucionais; há, sim, mas são redutos do constitucionalismo inglês, assente na longa evolução histórica e no costume, ou seja, as práticas imemoriais de determinados factos ou o exercício de certas faculdades que a colectividade entende que devem persistir, punindo-se todos aqueles que as desrespeitem. Estão incluídas também as práticas, praxes e conventions, que, não sendo Direito, regem por acordos políticos estabelecidos.

    Os textos escritos, históricos, não estão codificados. O primeiro deles, e de especial importância, é a Magna Carta, de 1215, que os barões do reino impuseram ao monarca João Sem Terra. Vencido numa guerra pelo continente, sem o apoio da Santa Sé e sem recursos financeiros, o rei teve de resignar-se a firmar um documento em que se comprometia a respeitar os privilégios e liberdades da nobreza, do clero e do povo. Esta Carta preconizava ainda a liberdade da Igreja, as prerrogativas municipais, a moderação na tributação dos mercadores, o direito que cada um tem a não ser condenado senão em virtude de um julgamento prévio, o direito que todos têm à justiça... Era um verdadeiro foral da Nação - um pacto que o rei e o país estavam terminantemente proibidos de violar.

   A Magna Carta seria confirmada pelos sucessores de João Sem Terra. Fora escrita em latim e só posteriormente traduzida para a língua inglesa (no século XVI). Isto obstou ao seu conhecimento pela generalidade do povo britânico. O seu teor e o que previa era um privilégio das classes favorecidas e essas extraíam o seu conteúdo político.

    No século XVII, apareceram novas leis constitucionais. No reinado de Carlos I, travou-se uma luta, respeitosa no início, entre a Coroa e o Parlamento. O monarca pretendia manter intacto o seu poder de decidir e comandar como verdadeiro e único chefe da Nação; o Parlamento queria afirmar a sua supremacia e o direito de tecer observações e responsabilizar os conselheiros régios. O rei perdeu esta querela e, enfraquecido, viu-se obrigado a convocar o Parlamento, em 1628. Aproveitando a má situação, este apresentou ao rei a célebre Petition of Right, que o mesmo teve de aceitar, ainda que com relutância.

    A Petition of Right, um dos pilares do constitucionalismo inglês, protestava contra o lançamento de impostos sem o consentimento do Parlamento, contra as prisões arbitrárias e contra o uso da lei marcial e da permanência de soldados nas casas dos particulares em tempos de paz. É importante não confundir a Petition of Right com o Bill of Rights, de 1689. Depois de 1628, houve uma revolução, em 1640, que conduziria à deposição do rei e à sua subsequente decapitação. Cromwell, brilhante estadista, tornou-se o Lord Protector de uma República de brevíssima existência. Prova é que a Constituição escrita que deu ao seu povo só sobreviveria dois anos à morte do ditador. No ano de 1660, a monarquia foi restaurada e Carlos II ascendeu ao trono. Suceder-lhe-ia, em 1685, Jaime II, católico, que pretendeu sujeitar novamente a Igreja inglesa à autoridade papal. Como reacção, em 1688, uma revolução depôs o último monarca da Casa dos Stuarts, negando o direito divino dos reis e invocando a existência de um pacto entre a nação e o soberano. Foi então chamada ao trono a filha do rei, Maria, que estava casada com o seu primo, um príncipe holandês, Guilherme de Orange. O Parlamento condicionaria a aclamação dos monarcas à aceitação do Bill of Rights.

    E o que é o Bill of Rights? É uma declaração de direitos, enumerando uma série de actos que o rei não pode cometer por serem desconformes, significando isto que o rei está submetido ao direito que resulta do costume sancionado pelos tribunais, o common law, que é aplicável a todos os ingleses, independentemente do seu estatuto social, do rei ao homem do povo. Este bill consagra várias garantias: o direito de petição, assegura a liberdade e a inviolabilidade dos membros do Parlamento no exercício das suas funções, enuncia a reunião regular das câmaras, condena os tribunais de excepção, ilegaliza a suspensão de leis só pela vontade do rei ou o favorecimento régio que dispense alguém do cumprimento da lei e estabelece claramente que o rei não pode lançar impostos ou manter um exército permanente sem a autorização do Parlamento.

   A Coroa, atribuída à Casa de Orange, ficaria dependente do Parlamento. No último ano do reinado de Guilherme de Orange, ou Guilherme III, 1701, o Parlamento aprovou o Act of Settlement, à luz do qual só pode ascender ao trono britânico um príncipe anglicano, prescrevendo ainda novos impedimentos para que o rei não governe sem o Parlamento ou prejudique a supremacia parlamentar, vedando ainda que o soberano possa imiscuir-se na consciência dos juízes.

   Nos nossos tempos, século XX, seriam elaboradas mais leis constitucionais, a ver: o Parliament Act, de 1911, que restringiu os poderes da Câmara dos Lordes (como se sabe, o Parlamento britânico é composto por duas câmaras: dos Lordes e dos Comuns), fixando em cinco anos o mandato dos deputados da Câmara dos Comuns; o Statute of Westminster, de 1931, que veio regular as relações entre o Reino Unido e os seus domínios e colónias no ultramar; o Ministers of the Crown Act, de 1937, alterado em 1946 e 1957, que fixou o vencimento dos ministros, consagrando ainda a existência de várias funções que até então eram meramente costumeiras; os Regency Acts, de 1937 e 1953, que regulam os preceitos da regência em caso de menoridade ou incapacidade do rei; o Parliament Act, de 1949, que impôs mais restrições ao poder legislativo dos lordes; o Life Peerages Act, de 1958, que permite a nomeação de lordes a título vitalício; o Peerages Act, de 1963, que conferiu aos pares da Escócia o direito de tomar assento na Câmara dos Lordes, entre outros. Estas foram as principais inovações no século passado.

    Devem ainda ser consideradas leis constitucionais todas aquelas que confluíram para o actual Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. No século XIII, a Inglaterra era apenas um dos vários reinos das ilhas britânicas. Eduardo I anexaria a este reino o País de Gales, com o Statute of Wales, de 1283, passando o título de Príncipe de Gales para um dos filhos dos monarcas ingleses (seria estabelecido no primogénito). Só três séculos mais tarde, no século XVI, é que Henrique VIII transformaria essa anexação numa incorporação definitiva, conferindo aos galeses a possibilidade de elegerem representantes para a Câmara dos Comuns.
    Outro reino independente era a Escócia. Em 1603, o rei da Escócia, Jaime VI, foi chamado para ocupar o trono inglês devido à morte da Rainha Virgem, Isabel I, última monarca da Dinastia Tudor. Jaime tornar-se-ia rei de Inglaterra como Jaime I e a Escócia manteria a sua independência num regime de pura união pessoal com a Inglaterra (dois reinos, um rei), à semelhança do que acontecia - curiosamente pelos mesmos anos - entre Portugal e Espanha (dois reinos absolutamente distintos, dois impérios, um só rei). Ao contrário da separação que se efectivaria nos reinos ibéricos, em 1707, já no reinado de Ana, os parlamentos dos dois reinos, escocês e inglês, decidiram avançar com a união pessoal para união real. O Act of Union, da mesma data, estabelecia um só Parlamento e políticas comuns. A Escócia manteve determinados poderes, como a sua Igreja oficial, leis municipais e civis, tribunais e nobreza, que se fazia representar na Câmara dos Lordes por dezasseis pares. O Parlamento escocês reabriria em 1998, trezentos anos depois, com o Scotland Act.

    Por fim, a Inglaterra foi dominando a Irlanda ao longo do tempo. Em 1800, unir-se-iam, formando o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Em 1921, a Irlanda do Sul constituiu, como domínio, o Irish Free State, que proclamaria a sua independência em 1937. Continuou incorporada ao Reino Unido a Irlanda do Norte, desde 1921, que possui governador-geral, duas câmaras e gabinete próprio, não sem consequências sangrentas ao longo das décadas...

    Hoje, do Reino Unido faz parte a Inglaterra, o País de Gales e a Escócia (Grã-Bretanha) e ainda a Irlanda do Norte.

22 de março de 2014

Conferências (Parte II).


    Não era suposto ir. No entanto, não se falou de nada mais durante o dia.

  Depois do almoço, comi um menu do bar da faculdade e fui estudar para a biblioteca. Por casualidade, encontrei uma amiga que não conseguiu transitar de ano e, desafiado por ela, concordei em ir assistir a uma outra palestra, poucas horas depois, subordinada ao tema "Criminalização da Homossexualidade no Uganda". Duas conferências no mesmo dia, com poucas horas de intervalo, abordando a homossexualidade, numa faculdade conservadora. Boa... Esta teve início às dezasseis. Estiveram presentes uma activista da Amnistia Internacional, um jurista e jornalista radicado em Moçambique e um professor-assistente de Direito Penal. Foi bastante interessante. Falou-se da realidade dos homossexuais em África, no geral. No final, pudemos colocar questões à bancada. Ao meu lado, esteve um colega rapaz que me surpreenderia. Mais atrás, uma coleguinha que presumia retrógrada, do pior, e afinal... As aparências enganam.

   A situação da homossexualidade em África é muito precária. É ilegal em cerca de 34 países, incluindo Angola e Moçambique, por exemplo. A diferença é a de que nestes dois países, antigas colónias portuguesas, não há uma militância em perseguir gays e lésbicas. Todavia, a legislação está lá e não engana ninguém. É proibida. Num power point, a activista apresentou-nos slides muito esclarecedores. Alguns incluíam fotos e breves resumos sobre a vida de homossexuais, homens e mulheres, assassinados pelo continente africano. Deveras emocionante. É impossível não se ficar perturbado. No final, intervim e trouxe à colação o recrudescimento da intolerância na Rússia e as tradicionais violações sistemáticas dos direitos humanos, no que concerne à homossexualidade, no Médio Oriente e nos países islâmicos, independentemente de onde se encontram no globo.

   Terminaria às dezoito, à mesma hora em que estava a começar o outro debate, desta vez sobre a "Co-adopção por Cônjuge ou Unido de facto do mesmo Sexo".  Saímos em passo acelerado e chegámos a tempo de arranjar dois lugares bem à frente. Como previ, foi o caos, com uma nuance: o próprio psicólogo clínico estava contra o projecto da co-adopção. Em parcas palavras, foi uma conferência dos opositores. O que eu não sabia, e que não transmiti no último post, é que houve uma conferência, na semana passada, cujo painel era composto por pessoas favoráveis à co-adopção. Em vez de promoverem um único evento que reunisse as diferentes sensibilidades, não. Nessa, soube, participaram um activista da ILGA, Paulo Corte-Real, um juiz, Dr. António José Fialho, um deputado do PS, Pedro Delgado Alves, e ainda a Presidente Executiva do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha. Tive azar!...

  Estaria na pior de todas. Por incrível que pareça, o padre foi o menos agressivo e extremista; o psicólogo, o pior. Perante centenas de pessoas (o anfiteatro comportará cerca de trezentas, fora as dezenas que estavam de pé), disse barbaridades como a das suas capacidades de converter homossexuais. Leram bem. Afirmou, peremptoriamente, que vários gays e lésbicas que, porventura, haviam casado com pessoas do mesmo sexo, o procuraram e que ele, humanamente, os conduziu à vida heterossexual, estando hoje essas pessoas casadas com cônjuges de outro sexo, constituindo família, com filhos, e sendo felizes. Não admira que tenha uma série de processos da Ordem dos Psicólogos! Não revelarei a identidade do senhor por uma questão de reserva. Procurem por um psicólogo que só diz disparates e facilmente chegarão ao nome...
   Dois professores, conservadores, um dos quais, por quem nutro especial carinho, levou o seu preconceito ao limite, por entre aplausos efusivos de uma plateia maioritariamente católica e intolerante. Senti-me num lugar profundamente hostil.

   No final, quando o moderador deu a palavra ao público, várias pessoas quiseram interpelar a tribuna. Uma psicóloga disse que o próximo passo não seria o da adopção por casais homossexuais, mas a legalização da pedofilia, confundindo as realidades absolutamente distintas. Aplaudiram-na. Entrei em choque. Juristas, pessoas de diversas áreas entre centenas que ali estavam. Como é possível que não raciocinem? A maioria dos pedófilos, que têm uma parafilia (a homossexualidade é uma orientação sexual minoritária), é heterossexual. Felizmente, dois rapazes usaram da palavra. Um deles, que eu conheço, é heterossexual e defensor da co-adopção. Confrontado com o que disseram, do ambiente sadio para uma criança entre um pai, homem, e uma mãe, mulher, contou que foi criado só pela mãe e indagou se, por esse facto, a sua família seria anormal na perspectiva do psicólogo. Arrancou alguns aplausos.

   A maior das surpresas estaria por vir. O tal colega, que estivera ao meu lado na palestra anterior, fez um discurso emotivo. Perante trezentas e muitas pessoas, assumiu-se como homossexual. Colegas, professores, membros da Associação de Estudantes, pais e mães, um repórter que gravava. Entre frases que soluçavam e custavam a sair, perguntou se o achavam "anormal", em clara ironia, argumentando a favor das crianças felizes, que as há, que moram com casais homossexuais (isto em resposta ao psicólogo, que dissera, anteriormente, que os estudos mais credíveis dão conta de uma propensão a problemas mentais, depressões, suicídios, etc, em crianças que coabitam com casais do mesmo sexo). Demorou poucos minutos e recebeu algumas ovações entusiásticas. Também o aplaudi. Dever-me-ia ter levantado, como alguns. Não o fiz.

   Passava das vinte. Pedi licença à minha colega, de forma a que ela se levantasse, e saí. Vim todo o caminho, de metro, a pensar no que o meu colega acabara de fazer. A sua coragem. Não falo de uma sala circunscrita a dez pessoas: estavam centenas e uma câmara de filmar. Chegando a casa, abri o facebook e fui procurá-lo. Antes de falar, como todos, disse o seu nome, que supus o primeiro. Coloquei na pesquisa e, graças a amigos em comum, depressa apareceu. Enviei-lhe uma mensagem a dar-lhe os parabéns. Respondeu-me horas depois. É uma simpatia. Admiro-o. Deveria ter esperado pelo fim para falar com ele, cumprimentando-o. Temi a sua reacção.

   Não defendo que se fale de detalhes tão pessoais e íntimos. Eu não o faria. Ele fê-lo porque sentiu que tinha esse dever, que tinha de dar a voz ao presenciar ataques tão infames como aqueles que se fizeram ali. Quis mostrar àquele bando, religioso, fanático, que não tinha medo. No fundo, representou-me a mim e a todos, a muitos de vós que lêem isto. Sente-se leve. Adjectivo seu.

    Obrigado, D.

19 de março de 2014

Conferência da Co-adopção.


  Amanhã, sensivelmente por esta hora, estará a começar, num dos auditórios da minha faculdade, uma conferência sobre a possibilidade de co-adopção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo. Como sabemos, o diploma foi vetado ou chumbado, como queiram, a semana passada, num processo algo turbulento na sociedade portuguesa. Dediquei, há tempos, um longo texto sobre este assunto. Nele, para o qual remeto, expliquei por que razão achava mais do que pertinente evoluir nesta matéria. Confirmou-se o que previ sobre a possibilidade do referendo, inconstitucional, porém, pensei que o projecto do PS sobre a co-adopção teria chances de vingar. Infelizmente, não se concretizou. Recuámos uns bons passos e perdemos a hipótese rara de fazer justiça às crianças que já reconhecem as figuras parentais que têm como seus progenitores. Legislar, aqui, seria para se confirmar, reconhecer direitos, e não de forma a abrir caminho a arbitrariedades e a abusos. Imagine-se uma criança que se vê na situação de perder o/a progenitor/a que a lei reconhece como tal, seja o/a biológico/a ou pelo instituto da adopção singular, já permitida para pessoas solteiras. A outra figura parental poderá perder o acesso à criança, retirada pela família do/a progenitor/a legal ou, mais grave ainda, entregue a uma instituição. Haverá algo pior do que passar a infância e adolescência num orfanato? Isto levar-nos-ia para a adopção por casais do mesmo sexo, mas nem é disso que se trata. Trata-se de uma realidade já existente. Continuarão, quer os opositores queiram, quer não, a existir crianças que moram com casais homossexuais. A diferença é que, de momento e por ora, sem quaisquer direitos ou segurança. Temos crianças que vivem num limbo, à mercê da sorte e do que o futuro lhes proporcionará.


    Ponderei se deveria ir à dita conferência. Olhando para o pequeno prospecto que me foi entregue, os oradores serão os tradicionais conservadores de sempre, excepto um. Dos três, todos foram meus professores. Pontos de vista à parte, nutro um certo carinho por dois, em especial, e custar-me-ia imenso ouvir pessoas que tanto admiro, academicamente, a defender posições que considero injustas e ultrapassadas. Têm todo o meu reconhecimento como sumidades no Direito; não posso deixar de ser crítico relativamente ao que defendem. Estará, ao que sei, presente um padre. Completa fica a santíssima trindade.

  Participar seria, a par de uma decepção que antevejo, um desperdício de tempo. Acredito que haja o contraditório, e deposito a minha fé nos discursos, que suponho virtuosos, de um dos professores, além de um psicólogo que também estará na palestra. Como especialista em Psicologia, espero que refira os inúmeros estudos que dão um parecer positivo à coabitação de crianças com casais homossexuais. Ao contrário do que o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, disse num programa de televisão, não há relatórios destes "para todos os gostos". Não sei quais o senhor leu, mas os de reconhecida qualidade e mérito são contundentes em afirmar que não há qualquer problema. Não será o facto de se viver com um casal homossexual que influenciará as futuras preferências sexuais daquelas crianças e jovens. Se assim fosse, não existiriam homossexuais, visto que, arriscaria em afirmar, 95 % dos homossexuais foram e são criados no seio de famílias heterossexuais! Pior do que um mau argumento é um argumento manifestamente descabido e absurdo.

    Esta conferência selará o assunto. Chumbado que foi o projecto na sede da democracia (das maiorias...), não há nada a fazer. Talvez numa futura legislatura. Tranquilizados, falarão cheios de satisfação, de justiça! Que justiça para as dezenas, centenas, de crianças e jovens que vivem em permanente angústia. E das pessoas que, sem o aval da lei, não podem chamar de "filho/a" a determinada criança com toda a legitimidade?

   Não se legislam afectos. Foram invocados todos os argumentos, em tudo se pensou, menos nas crianças. Nunca os adultos pensaram nas crianças. Se o fossem por um só dia, se descessem da sua soberba e tentassem entrar nos receios de uma delas, provavelmente hoje regozijar-me-ia por o meu país ter feito... justiça.

16 de março de 2014

Meia-estação.


    Este será, porventura, o post mais fútil pós-2010. Nem só de seriedade vive o Homem.

   Ontem, fui às compras. O tempo aquece e notei que precisava de roupas de meia-estação. Estamos naqueles meses do ano em que já não está frio para casacos, tampouco calor para calções. As noites são frias. Uns casaquinhos de malha são essenciais. Camisas, também, de tecido leve.

   Passei pelo Amoreiras. Comprei umas camisas frescas, de manga comprida. Gosto das mangas compridas porque posso dar a dobrinha até ao cotovelo. Manga curta só no Verão, ou por lá perto. Tentei variar nas cores: uma em padrões esverdeados e amarelo, outra em vermelha, uma terceira em quadrados azuis e brancos e ainda uma azul bebé. Comprei uma camisa de ganga caríssima para usar, aberta, com uma t-shirt bordeaux. Gostei da cor e do estampado no pequeno bolsinho do lado esquerdo. Como vem o tempo quente, comprei duas sapatilhas Vans, em vermelho e verde. Sabe Deus que não gosto de ténis. É o que condiz melhor com a t-shirt e a ganga.
    Lanchei um chá e uma torrada. Posteriormente, comprei dois casacos de malha: um em azul escuro e outro em tons cinza. São giros e dar-me-ão imenso jeito.

   Entrei na Fnac. Ando a namorar um iPad e quero ver se a mãe mo dá pelo meu aniversário. Aliás, estou indeciso entre o iPad ou um MacBook Air. Talvez peça um à mãe e outro aos avós. LOL Isso sim é que seria! Lembrei de repente da faculdade e ainda adquiri um livro. Oh Céus!

    Demorei poucas horas. Umas quatro. Cheguei a tempo de jantar e de adiantar uns casos práticos para amanhã. Sim, candidatei-me para resolver dois casos práticos. E não quero ser chamado à atenção porque falta este ou aquele artigo. Sou perfeccionista. No que concerne à faculdade, demasiado. Veremos como corre!

   Falei com o P. Enviou-me uma mensagem. Anda atarefadíssimo com um trabalho sobre a 'fava'! A 'fava', exacto, aquilo que se come. Fui preterido por favas, grãos, feijões, batatas, couves.. Ai, ai. Que sina! Desejo-lhe toda a sorte do mundo. Se é feliz no meio do campo e se isso é tudo o que precisa, pois bem, faça por aquilo que gosta. Supere-se!

     Não sei se perdi, se ganhei uma tarde.

13 de março de 2014

Pela Escandinávia.


   Eu adoro os países escandinavos. São verdadeiramente uma enorme referência. Enquanto muitos se sentem atraídos pelas culturas nipónica, norte-americana, francesa, britânica, há um grupo de países ali pelo norte da Europa que muito me seduz. Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia... Além da excelente qualidade de vida que proporcionam aos seus habitantes, são países conhecidos pela tolerância, dando lições ao mundo considerado civilizado. Têm sido pioneiros em inúmeros itens, como no sufrágio feminino, nos casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, para enunciar estes exemplos. Os baixíssimos níveis de criminalidade aliados a uma política criminal humana tornam-nos pólos atractivos. Soube, há pouco tempo, que a polícia islandesa nunca tinha tirado a vida a um cidadão, se bem me recordo! Não usavam armas. Na Noruega, o povo ficou chocado depois daquele massacre de que todos bem lembramos. Não estavam habituados a banhos de sangue. Rejeitaram por diversas vezes - pelo menos duas - a adesão à UE e, inerentemente, à abominável moeda única. São convidados, em vez de se atropelarem como os países de leste para conseguir um lugarzinho ao sol. Valorizam a sua indústria e a sua pesca. Legitimamente, não querem ser a prostituta de Roménias e Bulgárias e, ainda, sujeitando-se aos tradicionais proxenetas, como o são Portugal, Espanha, Grécia... A Islândia só agora pediu adesão e os motivos prendem-se à crise económica que tão prontamente ultrapassou.

   No liceu, tive uma colega holandesa. Os Países Baixos não pertencem à Escandinávia, mas a miudita tinha valores não habituais no nosso país. Falava inglês fluentemente para alguém de catorze anos, não ingeria alimentos de origem animal devido às toxinas e afins, e era extremamente liberal. Claro que era engraçado vê-la de sandálias em pleno Inverno ibérico, uma estação amena para quem está habituado ao frio de Amesterdão. Infelizmente, perdi-lhe o contacto. Já tentei encontrá-la pelas redes sociais, tarefa que assemelha difícil devido ao seu nome em holandês.


   Na Noruega, tendo em vista uma campanha de solidariedade que visa as crianças da Síria, uma organização experimentou colocar uma criança enregelada, sem casaco, numa estação de autocarros em Oslo, de forma a analisar o procedimento dos transeuntes àquela situação. Ali se pode ver o grau de civilidade daquelas pessoas, a sua educação na preocupação pelo bem-estar de outro. Não admira que não haja sem-abrigos por lá. Os institutos sociais funcionam bem, são céleres e actuam no menor tempo possível. Pagam impostos, sim, mas para o bem comum e não para uma elite faminta e corrupta. A par disso, as características do próprio povo. Em Lisboa, aquela criança, a menos que interpelasse alguém, passaria indiferente à maioria. E mesmo interpelando... Por cá, são encontrados idosos, mortos, no chão das suas casas, dez anos volvidos.

     Deixo-vos o vídeo.

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10 de março de 2014

Uma tarde pela cidade.


    Faltei à última aula do dia. Prática, o que implicou uma falta na assiduidade. Sinceramente, não me importo. Dormi mal de noite e a pouca paciência perdeu-se por entre a tinta da caneta. Ver os raios quentes de sol pelas pequenas e estreitas janelas do anfiteatro novo suscitou-me a ideia de sair e passear. Voltar a casa não seria a solução. Quis apanhar ar fresco e os meados de Março proporcionam tardes amenas.

   Apanhei o metro, mudei no Marquês, tomei a linha azul e saí no Terreiro. Estive, por instantes, no cais das colunas. Lisboa está cheia de turistas e, indiscutivelmente, de rosto lavado. O povo português, ao menos na aparência, tem mudado. Os looks são mais descontraídos e jovens. A tecnologia, em tabletssmartphones e afins, domina a paisagem. As famílias saem mais e estranhei ver tanta afluência quase à hora de almoço. Um casal, com o filho adolescente, trocava impressões sobre o rio. Estrangeiros tiravam fotos à ponte e a si mesmos, com poses divertidas a puxar para o dinâmico. Os tradicionais vendedores de garrafas d'água e traficantes de mau aspecto. Muitos indianos. Asiáticos. Uma metrópole de várias cores.

   Desci uma das escadinhas laterais e avancei até ao areal. Crianças brincavam com os pés à entrada da água turva, sob a supervisão dos pais. Outras faziam castelos com as mãos. Casais de namorados amontoavam-se. E aí a diversidade foi mais evidente. Um casal de lésbicas trocava carícias e sorrisos. Afastados, dois rapazes, claramente namorados, conversavam. Levei ténis. Peguei numa pedrinha e escrevi o meu nome na areia molhada.


   Voltei ao meu percurso, caminhei em direcção ao Cais do Sodré e subi. O estômago alertou-me da sua presença. Entrei num restaurante simpático e acolhedor, numa daquelas ruas sinuosas, e escolhi um menu. Almocei tranquilamente. Ainda tirei umas folhas da pasta arquivadora e estudei um bocadinho. A mala que comprei pelo Natal é confortável no ombro e tem arrumação. Meses depois, só hoje a olhei com olhos de ver.

   Regressei à margem do rio, já bem alimentado. Deu-me uma enorme vontade de chorar. Ontem, tive igualmente uma crise de choro. Tenho andado especialmente melancólico nestes últimos dias. Raio de herança que a mãe do pai havia de me deixar... Nem quero imaginar que a mãe venha a saber disto. Preocupá-la-ia desnecessariamente e quero tudo nesta vida menos perturbá-la.

    Deixei-me ficar por ali durante a tarde. Comprei uma empada de galinha num barzinho de esquina, em direcção à estação do metro, e bebi um sumo. Já na minha linha, quase me deixava adormecer.

       Sinto uma certa paz interior, por agora. Fez-me bem.

7 de março de 2014

Finalistas.


   Aproximando-se o final do ano lectivo, e da licenciatura, começam a ficar impacientes. À entrada da faculdade, pela porta traseira, publicitam ostensivamente o tão aguardado baile de finalistas e, imagine-se!, viagem. Tinha conhecimento da prática costumeira do primeiro; desconhecia, de todo, a segunda. Para alguém que nem trajou, a indiferença ao baile não poderia ser maior. Recordo-me de um evento semelhante pelo final do secundário, e detestei. Tive de fazer bocas e sorrisos quando o que me apetecia era fugir. Não sendo hipócrita, só consigo chegar ao final do dia com uma revolta enorme. A mais, pegando nas palavras de uma colega: "Já basta aturá-los o ano todo!". Faço minhas.

   Devido às cadeiras optativas, mudámos de subturma. No meu caso, fiquei na mesma, mas houve quem saísse, e outros que entraram, dos quais um casal de namorados (?) deveras irritante. Basicamente, falo-vos de duas pessoas aborrecidíssimas, convencidas e prepotentes. Gostam de sobrepor as suas respostas às dos colegas, rivalizando na participação oral das aulas. Imagino nos testes... Eu intervenho pouco, como já disse anteriormente a propósito de um assistente chato. Falo quando devo falar. Por curiosidade, ando mais interventivo, não sei se pelo aproximar do fim ou se por um súbito interesse, que vem tarde. Acontece que já choquei com o casalinho nas minhas participações, ora com ele, ora com ela. Desde o primeiro ano que não me acontecia algo semelhante! A desconfiança é mútua. Para piorar, sempre houve o péssimo hábito de catalogar os alunos, isto é, comenta-se por portas e travessas quem são os melhores e a minha subturma ganhou a fama de ser a melhor do ano. Vim a saber, por terceiros, que falam acerca de o casalinho ter ficado comigo e com mais um aluno, porventura bom, mas bastante mais humilde do que os três, assumo. 

   Não gosto de guerrinhas e já tenho ficado calado para evitar confrontos, que não houve nenhum. Não gosto deles, simples. Evidentemente, não deixarei de intervir, prejudicando-me. Quando achar que o deva fazer, fá-lo-ei. Só não tento mudar de subturma porque pagaria uma taxa e considero absurdo despender quase três dígitos à faculdade apenas por capricho ou mero mal-estar. Eu aguento. Preferia dar o dinheiro. A fama de 'turma dos marrões' é que não me agrada nada. Maio, chega rápido! O regulamento de avaliação foi alterado, como referi por aqui, abolindo-se os testes ao longo do semestre. Graças! Assim, temos um teste a cada disciplina, em Maio. Faço-os, recebo as notas e vou à minha vida. Com estas criaturas seria insuportável. Comparariam as décimas!

   A viagem de finalistas será, ao que sei, em Cabo Verde ou na Tunísia. Não vou. E aplico, uma vez mais, as palavras da colega. Poderia considerar caso se tratasse de outros destinos. Salvo o devido respeito que cada terra me merece, não fiquei empolgado. Se a mãe pudesse viajar comigo é que seria!... Sem bailes toscos, pejados de álcool e tabaco, engates, na modalidade hetero, e bebedeiras de cair ao chão. Estou fora. Penso antes no futuro e nos passos seguintes. 

    Nada terminará no início do Verão. Só um ciclo. Iniciar-se-á outro, que espero mais interessante.

4 de março de 2014

Pela Europa.


   Desde a Guerra da Bósnia e do Kosovo que a Europa não assistia a momentos de tamanha tensão no leste europeu. Aproveitando-se das fragilidades da governação ucraniana, a Rússia decidiu, unilateralmente, colocar forças militares na Crimeia, uma república autónoma pertencente à Ucrânia. De maioria russa, a Crimeia optou, após a constituição do Estado ucraniano, manter-se unida ao recém-formado país. De facto, os laços que unem a Crimeia à Ucrânia passam por um pequeno istmo. A cultura russa é predominante.

   No meu entender, só há uma justificação para esta tomada de posição agressiva da Rússia: um desrespeito à independência da Ucrânia, resquícios de um domínio que se extinguiu há pouco mais de vinte anos. A Ucrânia, bem como outros países daquela região do globo, era uma das repúblicas constituintes da União Soviética. Com a dissolução desta última, surgiram vários países que alteraram a geopolítica da Europa de leste. A Rússia, herdeira do regime soviético, olha agora para aquela miríade de países como seus Estados-satélites, como outrora o foram a Roménia ou a Polónia, por exemplo. É de conhecimento geral o desconforto da Rússia quando a NATO alarga as suas fronteiras à sua zona de influência ou mesmo quando há uma certa aproximação dos países de leste à União Europeia. Relembro que há pouco se discutia, na Ucrânia, uma manutenção das relações com a Rússia ou, por sua vez, uma viragem a ocidente, tendo em vista uma futura adesão às instituições europeias.

    Mais do que uma violação dos direitos humanos, está em causa o desrespeito pela soberania de um Estado e a ingerência, a todos os termos reprovável, nos assuntos internos de um país vizinho, violando-se as disposições legais, nomeadamente a Carta das Nações Unidas. A solução para o problema da Crimeia passará, talvez, por um referendo à sua população em que se questione, de modo claro, o que preferem: a independência, uma união política com a Rússia ou até mesmo o status quo com a Ucrânia. Arriscamo-nos a uma guerra sangrenta, ainda evitável. Dos muitos erros que se cometeram na antiga U.R.S.S., um deles foi transferir a Crimeia para a República Socialista da Ucrânia, após estar unida à República Socialista da Rússia. Sendo a sua população russófona, esta decisão teve repercussões de que ainda hoje a Crimeia se ressente. São as consequências das más previsões de tiranos, que decidem despoticamente nos seus palácios. Assim o fizeram em África com os resultados que todos conhecemos.


    Por sua vez, os escoceses preparam-se para decidir o seu futuro no seio do Reino. Unidos a Inglaterra desde o início do século XVIII, a Escócia desde sempre manteve a sua identidade e cultura próprias. O processo é pacífico, demonstrando o fair-play com que os súbditos de Sua Majestade lidam com estas questões. Evidentemente, o governo inglês foi peremptório ao afirmar que a Escócia perderá o direito a usar a libra esterlina, como sua moeda, se adoptar uma posição favorável à independência. Faz todo o sentido. Como Estado soberano, competiria à Escócia emitir moeda própria. Não se trata de uma ameaça descarada, em jeito de ofensiva, como o governo madrileno tem vindo a fazer de forma a amedrontar o povo catalão. Além da saída certa da União Europeia, o que até faz algum sentido, as ameaças prendem-se com o veto espanhol, ou do que restaria de Espanha, a uma posterior adesão da Catalunha independente. A isto se chama coacção moral. A par disso, ouço posições de Rajoy contrárias ao referendo, arguindo a favor da sua inconstitucionalidade. Será uma inconstitucionalidade à luz da Constituição espanhola, mas, não se sentindo os catalães como espanhóis, de pouco releva o que dita a Lei Fundamental imposta por Madrid. Nem todos os séculos de opressão fizeram soçobrar o nacionalismo catalão. Madrid esquece-se, porém, de que a Catalunha não é a Galiza, nem os catalães permeáveis ao imperialismo castelhano nas mesmas proporções que o inerte povo galego. A Catalunha não precisa de Espanha; Espanha precisa, e muito, da Catalunha. Sabem os espanhóis, e sabemos nós, de que seguindo-se à Catalunha viria a Galiza, o País Basco, Ceuta e Melilla seriam entregues a quem de direito, Marrocos. Olivença já foi por mim abordada.

 
    As Nações Unidas expressam claramente o Princípio da Autodeterminação dos Povos. A coberto deste, vários países conseguiram a independência contra as antigas potências colonizadoras. Mas o princípio, do qual podemos extrair uma norma jurídica, não se esgota nas questões coloniais. Os povos devem escolher o seu destino e, à semelhança do referendo que vai ter lugar na Escócia, impõe-se desde já um na Catalunha e, eventualmente, na Crimeia.
    Sufocar nacionalismos históricos nunca deu bons frutos. Que se retirem ilações dos erros do passado.

1 de março de 2014

Terror.


   Gosto de filmes de terror. Dos clássicos, preferencialmente. Os filmes de terror das últimas décadas perderam uma parte do segredo do seu sucesso. Nem sempre a tecnologia surge para ajudar. Os efeitos em demasia originam filmes histriónicos, claramente desprovidos de qualquer realidade. E, para mim, mesmo o género terror  tem de ter, necessariamente, um pouco de realidade ou de obscurantismo. Nada que envolva monstros ou similares me assusta. Se tiver a certeza de que se trata de algo puramente imaginado, perco a excitação.

    Dois desses filmes são dos meus favoritos. Carrie (1976), do Brian de Palma, e, claro, O Exorcista (1973), de William Friedkin. No que diz respeito ao primeiro, confesso que me entristece mais do que assusta. Em boa verdade, não assusta. Trata do bullying, um fenómeno que, acredito, na altura era desconhecido. A miúda, numa interpretação magnífica da Sissy Spacek, tem poderes de telecinese, o que lhe permite mover objectos e provocar catástrofes... A sua mãe, uma louca religiosa, é encarnada por Piper Laurie de forma sublime. Ambas foram indicadas ao Oscar.

  O Exorcista, sim, já me amedronta. Envolve uma área praticamente desconhecida por todos, sem demonstrações científicas da sua existência ou inexistência. A par de Carrie, vi-o também muito novinho, fugindo ao controlo parental, e nas duas situações tive dificuldade em adormecer. Há aspectos rudimentares, como a cena em que Regan gira a cabeça nuns incríveis 360º graus. É perceptível de que se trata de uma boneca. Hoje, provavelmente, fariam em computador e tudo pareceria mais credível. Mas até essa aura mística torna o filme irresistível. É assim que ele é bom e perturbador. Ninguém fica indiferente ao rosto de Regan possuída pelo demónio Pazuzu. Da primeira vez, tinha catorze anos. Soube que iria passar na televisão, na RTP1, creio, consegui manter-me acordado e lá liguei a tv do quarto. Impressionou-me muito. Não é aconselhável a menores de dezasseis. Falo por experiência. Se ainda sou imaturo, à época fiquei aterrorizado e, por dias, aquela figura sinistra não saía da minha memória.

   Ontem, correndo a programação dos canais TvCine, soube que iria ser transmitida a sequela, O Exorcista II - O Herege (1977). Já havia lido, e ouvido, que era mau. Aguçou mais a minha curiosidade.
    Por favor, não vejam. É horrível! O enredo é péssimo! Não é à toa que está considerado um dos piores filmes de todos os tempos. Fiquei assustado, sim, de facto, com a qualidade. A Linda Blair saiu-se tão mal. Se eu sou contra as continuações, até em filmes infantis, defendo que nestes casos são evitáveis a todo o custo. É difícil repetir-se as fórmulas do êxito. É aquilo e não mais. O realizador, posteriormente, alegou que também era pai e não queria mais torturar uma criança, o que é visível n'O Exorcista, além de que quis enfatizar o bem e não o mal. Disse que o seu pecado foi não ter dado ao público o que ele queria: terror, medo, muito medo. Pois, se calhar foi. Melhor faria se o riscasse do seu currículo. Em filmes do tipo, as pessoas querem ficar assustadas, numa espécie de masoquismo. Querem olhar para trás enquanto se dirigem ao quarto, querem ficar com o coração a bater aceleradamente ao mínimo ruído, querem gelar o sangue a uma sombra ou vulto. É lógico.

   Na minha indiferença ao cinema, em geral, conheço poucos filmes de terror. Há meses, vi um que me deixou perturbado, nem tanto por medo. Hunger. Um grupo de indivíduos que é raptado e transferido para um subterrâneo por um psicopata, sem que o saiba. Deixou-lhes apenas água e um bisturi. Assim ficaram por semanas e semanas. Já se imagina o resto... Por último, no início do ano, vi o REC e o REC 3, de origem espanhola, que também têm o seu pedaço de suspense e terror.

    Estão à vontade para me aconselhar filmes. Alguns, porventura, conhecerei; outros, nem por isso. :)