8 de julho de 2013

Bolívia.


    Tenho acompanhado com alguma apreensão os desenvolvimentos do conflito que envolve a Bolívia e alguns países europeus, a par dos Estados Unidos da América. Mais do que uma crise diplomática, medem-se poderes e influências, em verdadeiros jogos de interesse onde as ideologias políticas têm sempre a última palavra.

    Desconfiando de que Edward Snowden poderia estar a bordo do avião presidencial boliviano, alguns países europeus recusaram a Evo Morales a possibilidade de sobrevoar e aterrar em Portugal, França e Itália, tendo a Espanha, posteriormente, acedido a que o presidente da Bolívia pudesse reabastecer em solo das Canárias, mais numa manobra estratégica do que por razões humanitárias ou no cumprimento do direito internacional. Manobra inteligente, diga-se, que tem resguardado o país vizinho das críticas mais ferozes que ecoam contra os restantes países envolvidos. Cabe perguntar se o procedimento destes países tem alguma justificação ou se, de facto, se tratou de uma violação clara dos preceitos estabelecidos quanto a estas matérias. Com grande gosto pelo direito internacional público, devo dizer que Evo Morales tem imunidade diplomática e livre trânsito, com ressalva da devida autorização. Confirmando-se o que alegou, nomeadamente de que lhe foi pedida a fiscalização do seu avião, o mesmo é ilegítimo. Contudo, é sabido que Evo Morales sofre de um anti-americanismo primário, inconsequente, sendo que a possibilidade de o ex-agente da CIA poder estar a bordo do seu avião não seria totalmente infundada, acrescentando-se ainda que provinha da Rússia, onde Snowden se encontrava. Parece-me mais do que razoável a atitude dos E.U.A em avisar os seus aliados. As alianças contemplam estas situações e é este também o seu fundamento. De outra forma seriam inúteis. Não creio que exista subserviência, até porque estando a França envolvida, é tudo menos provável de que acatasse directa ou indirectamente ordens de Washington. Veja-se o histórico de relações entre os Estados Unidos e a França e o mesmo falará per si.

    Ao que tudo indica, Snowden não estava no avião de Morales, daí todo o imbróglio diplomático. Em certa medida, há parcelas de razão distribuídas por todos os intervenientes da quezília. Nenhum país, para mais pertencendo a alianças de cooperação policial, é obrigado a ser conivente com a passagem pelo seu espaço áereo de alguém que é procurado internacionalmente, não querendo aqui tecer considerações sobre a natureza da perseguição a Snowden, a meu ver alguém desleal para com os serviços que desempenhava no seu país. Espanha já admitiu que recebeu informações claras de que o ex-espião estaria na aeronave; Lisboa mantém as 'considerações técnicas' que não convencem uma criança de cinco anos. Há que ser honesto e tomar partido. Agradar aos dois lados da bancada será hipocrisia.

    No pós-incidente, as reacções agudizaram o que já era grave. As críticas oriundas da América Latina pecam por excesso de zelo e alguns ressentimentos seculares. Ouvi declarações acerca da velha Europa, pejorativamente falando, totalmente desnecessárias, incluindo argumentos rácicos! Evo Morales afirmou que as suas origens indígenas estariam também por detrás de todo o conflito. Apenas ridículo. Em contrapartida, as relações tensas entre a Bolívia e os E.U.A poderão justificar o que se passou, ganhando aqui a desconfiança norte-americana algum sentido.

    As queixas e denúncias têm lugar nas Nações Unidas e nos órgãos judiciários internacionais, não na praça pública com extremismos e xenofobia. Outrossim, não compreendo as posições dos países da América do Sul, tomando as dores alheias como se estivéssemos perante uma guerra de blocos regionais Europa vs América Latina, Velho vs Novo, pró-E.U.A vs anti-E.U.A. Os pedidos de desculpas, formais ou informais, têm de ser requeridos pela Bolívia através dos seus representantes e tão somente, bem como a expulsão dos diplomatas dos países envolvidos (a meu ver, totalmente desnecessária).

     Que haja bom-senso.

14 comentários:

  1. Se os países americo-latinos lutassem pelas liberdades e direitos dos seus é que era de homem. Mas é tudo novela, mexicana, brasileira, venezuelana, boliviana... Adoram-nas, para entreter o povo miserável.

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    1. Não poderia estar mais de acordo. O populismo na sua expressão máxima.

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  2. Não tenho uma opinião formada, mas creio que Portugal deveria ter dado uma resposta mais concisa e realista. Ao menos tinha uma postura correcta com o mundo...

    A realidade é Portugal tenta sempre agradar a Gregos e Troianos...

    Enfim,

    Gostei muito deste teu texto ;D

    Grande Abraço

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    1. Portugal, se fosse uma pessoa, seria o que vulgarmente conhecemos por um 'troca-tintas'. Aliás, a cobardia, a par da inveja, é algo bem entranhado neste povo.

      Portugal sabe que tem de ter um 'pé' dentro da América Latina (onde sempre desempenhou um papel histórico importante), mas sabe também que não pode afrontar os interesses dos E.U.A. É triste quando se chega a este ponto. :)

      abraço grande, Francisco.

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    2. troca-tintas, eheheh!
      este caso é uma pedra no sapato para o recém-desempregado MNE, mas passará a batata quente ao novo MNE, ao que indica um embaixador nos EUA, olha que providencial...
      eu não creo em brujas, pero...
      a propósito, crónica excelente, como já nos habituaste.
      bjs.

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    3. A sério? O futuro MNE é um embaixador nos E.U.A? Ahah, este 'des'governo é hilariante... xD

      Muito obrigado, Margarida. :)

      beijinho.

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  3. Claro que o populismo sul americano anti EUA funcionou aqui, mas também cabe perguntar às Necessidades porque nãoprocedeu de igual forma quando não tivemos tantos prúridos em abrir o nosso espaço aéreo quando do transporte dos presos para Guntanamo?

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    1. É claro! Não se deve ter 'dois pesos e duas medidas'. Eu critico imenso a posição de Portugal no meio disto tudo. O meu artigo é até bastante equidistante. Reconheço que, neste caso, a razão está nos dois lados.

      Quanto a Guantánamo. Os E.U.A não são o melhor modelo de democracia que temos, mas isso levar-nos-ia para outra conversa. Sempre reconheci que as melhores democracias, e mais perfeitas, se encontram no norte da Europa, apesar de que não hesitaria em escolher os E.U.A se mos pusessem à escolha juntamente com Cuba.

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  4. Quando a política internacional é feita com alguns destes intervenientes, não se pode esperar melhor.
    A História haverá de contar o que se passou de facto.
    Abraço

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    1. O teu comentário é bastante sensato. :) Disseste tudo! Começando nos E.U.A, terminando na Bolívia e passando por Portugal e afins, o mundo está bem servido! :s

      abraço. :)

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  5. Gostei muito do teu artigo, muito bem escrito (como sempre), com uma boa caracterização da situação e do que está em causa. Mas não concordo com algumas coisas.

    Confesso que senti alguma vergonha, como português e europeu, por causa da posição tomada de não deixar o avião de Morales aterrar pela suspeita de que poderia estar a transportar o Snowden. Fez-me lembrar a facilidade com que os aliados europeus alinharam na guerra contra o Iraque por causa das armas de destruição maciça, que todos sabiam que havia, mas que depois se veio a apurar que afinal não havia. Acho que quando os países europeus tomam determinadas posições, têm de ter mais conhecimentos e razões, do aquelas que lhes são ditadas pelos serviços secretos norte-americanos.

    Por outro lado não se pode, na minha opinião, separar o "imbróglio diplomático", como tão bem lhe chamas, daquilo que lhe está na origem. Apesar de admirar Obama e a sua administração, acho que andou muito mal neste caso do Snowden que, na minha opinião, e ao contrário do que é acusado, não "vendeu" segredos da CIA a estados inimigos (à boa e velha maneira da guerra de blocos da guerra fria), mas denunciou que os serviços secretos norte-americanos estão a "escutar", ao serviço da administração norte-americana, os seus próprios cidadãos nas suas conversas telefónicas e trocas de correio electrónico privadas. Nós sabemos que os serviços secretos dos EUA e todos os outros fazem isto, mas não deixa de ser um "imiscuência" (a palavra existe?) na vida privada dos cidadãos e como tal deve ser denunciada.

    Além de que se provou com o atentado de Boston que não é pelo facto de os serviços secretos espiolharem os seus cidadãos até lhes descobrir, se for preciso, a cor das cuecas, que se evitam atentados terroristas.

    Eu sei que os regimes políticos sul-americanos não são flor que se cheire. Mas isso não parecia incomodar o ocidente quando era a CIA a escolher os "ditadores de serviço". Além de que não adianta muito vituperá-los e depois passar a vida a passar-lhes a mão pelo pelo para fazer uns negócios. Pessoalmente gosto muito da América Latina (como gosto dos EUA, de resto, e da América em geral), e acho que desde sempre a política norte-americana para a América Central e do Sul foi desastrosa, e é a principal responsável pela deriva populista e comunista de alguns dos regimes sul e centro-americanos.

    Desculpa o tamanho do 'relatório' e um abraço :)

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    1. Olá Miguel. Muito obrigado pelo teu comentário. :) Faz os relatórios que quiseres. :D

      Tens toda a razão. Os E.U.A não são um exemplo para ninguém. Começando logo pelo apoio que deram aos países da América Latina na altura de conter os avanços da URSS, não se importando se estavam perante ditaduras horripilantes que violavam sistematicamente os direitos humanos. Mesmo cá em Portugal: a adesão à NATO, como membro-fundador, só é justificada pelo apoio de Salazar à política norte-americana, num período de Guerra Fria.

      A espionagem da qual vamos tendo conhecimento é uma vergonha. Li, ontem, que os E.U.A espiam as comunicações telefónicas, por internet, etc, do Brasil, em massa. Isto é inadmissível. Por outro lado, li um comentário que me deu que pensar... Se os norte-americanos são os donos da maior parte da tecnologia mundial, como impedi-los? Lá está a ética, algo que eles parecem desconhecer...

      A invasão do Iraque, mais uma vez, foi outra arbitrariedade. Quiseram apossar-se do petróleo daquele país. Quem não se lembra de quando Saddam Hussein era um dos aliados dos E.U.A no Médio Oriente? Pelo menos derrubaram o tirano, se bem que duvido que as coisas melhorem por lá. É um país 'sem rei, nem roque'.

      O que falta ao mundo é um equilíbrio de poderes. Não é algo intrinsecamente norte-americano, ou chinês, ou alemão, ou japonês: o Homem é imperialista e tende a dominar o seu semelhante quando o sente fraco. É terrível, para mais podendo fazê-lo à vontade. É o caso dos E.U.A na actualidade. A solução que se vislumbra também não é muito boa: a China, a médio prazo, esse modelo de democracia e liberdade... ... ... :s

      um abraço. :)

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  6. Olá!!!, Deus te abençoe,amigo cada cabeça é um mundo é isso e a vida continua, blog maravilhoso continue assim, S-U-C-E-S-S-O
    Já estou te seguindo, aguardo a retribuição.
    Blog: http://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com.br

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    1. Olá Nequéren! Desculpe-me, mas, de facto, ainda não passei no seu blogue. Passarei com todo o prazer.

      Obrigado. :)

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