28 de junho de 2013

Turquia.


   Hoje, depois do almoço, detive-me a ler um daqueles jornais sensacionalistas que não primam pelo rigor, nem pela discrição. Há quem lhes chame tablóides, eu prefiro designá-los por incendiários. Dão ao povo o que ele quer: crimes, mexericos e intrigas de quintal, alimentando uma parcela da população que mal tem a antiga quarta classe dos nossos avós.
   
  Entre um assassinato, um assalto e uma modelo com as mamas de fora, li a declaração da chefe de governo alemã, Angela Merkel, relativamente à alegada futura adesão da Turquia, dizendo que «a democracia era inegociável». Ora, eu não sou conhecido por concordar com a senhora Merkel, nem por discordar, mas esta sua afirmação pareceu-me totalmente assertiva. Não gosto da UE, nunca gostei, e duvido que venha a gostar. Já referi por aqui os motivos umas milhentas vezes e não os pretendo repetir. Todavia, se há algo de que me orgulho na organização internacional travestida de confederação com propósitos federalistas é precisamente a liberdade, o respeito pelos direitos humanos. Salvo raras e salutáveis excepções, o Velho Continente ainda é um dos melhores sítios para se viver, e dos mais seguros e respeitadores da dignidade da pessoa humana (não, não é uma redundância - pessoa humana. Explicarei numa outra ocasião, mas posso adiantar de que épocas houve em que nem todos os humanos eram pessoas. É menos complicado do que parece).

   A Turquia não preenche, de forma alguma, os requisitos que permitem a sua adesão à UE, conquanto ainda seja considerado um país europeu. Não o digo pela sua posição geográfica (Israel não é europeu, de todo, e participa na Eurovisão). Quem estabelece os critérios são as pessoas. Também não me causa espécie alguma por ser um país maioritariamente islâmico, pese embora laico na sua Constituição e na organização do Estado. Aliás, relembro a polémica surgida em 2003/04 aquando da famosa (por péssimos motivos) Constituição Europeia. Quiseram incluir uma menção ao papel do Cristianismo na construção da Europa e muitas vozes se insurgiram, num fanatismo laico que não lembra à Revolução Francesa. Já na altura, novito que nem uma andorinha saída do ninho, no início da minha adolescência, entendi que essa menção, existindo, seria mais do que justa. De facto, o Cristianismo desempenhou um papel notável na formação da Europa. Veja-se, a Santa Sé era a entidade que reconhecia formalmente a existência dos Estados. Só por aí... Vislumbro até uma Turquia europeia de pleno direito com um preâmbulo exaltando os ideais cristãos. Não é por aí. O que não posso consentir, enquanto europeu, é a entrada de um país que viola sistematicamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, maquilhando o seu regime com truques de baixo ilusionismo, como o foi a abolição da pena de morte. Um passo importantíssimo, por certo; não chega. E duvido que a Turquia esteja empenhada nesse sentido.

   A actuação da União é também ela criticável. O estado turco formalizou o seu pedido de adesão em 1987 (!) e, em Outubro de 2005, iniciam-se formalmente as negociações de adesão. Convém aqui referir que, desde 1996, há uma união aduaneira com a Turquia.
   É reconhecido de que os líderes europeus não querem a Turquia no seio da União, contudo, não têm coragem de o afirmar peremptoriamente, arrastando a situação por décadas. Há relativamente pouco tempo, li um texto que abordava precisamente o crescente desinteresse do povo turco, e a consequente perda de esperança, no sonho europeu.

  Sonho que em tudo fez lembrar o não menos famoso american dream, mas que cada vez mais se assemelha a um pesadelo... para todos.

15 comentários:

  1. Excelente esta tua análise sobre a Turquia, e não só, sobre a própria UE.
    A Turquia não é só no plano geográfico que está "entalada" entre dois mundos.
    É também na cultura, na religião, nos costumes e na sociedade em geral.
    Não tendo, a priori, nada que me leve a temer a entrada da Turquia na UE,penso que se agora com tanto alargamento, as decisões unânimes a 27 (em breve serão 28, com a Croácia), serão ainda muito mais difíceis depois...

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    1. Exacto. Existe um medo do peso demográfico da Turquia. Seria o segundo país mais populoso da União e, geograficamente, é maior do que a Alemanha... São vários os factores que levam os líderes europeus a temer a entrada da Turquia, crendo até que estes são os principais. Iria desestabilizar muito o funcionamento da União e o equilíbrio de poderes, se bem que hoje não há qualquer equilíbrio. Lol Formalmente, os estados-membros da UE são todos iguais; na prática existiu um eixo Paris-Berlim. Hoje, é a Alemanha que manda em tudo, diluindo-se o poder da Comissão, do Conselho Europeu e do próprio Parlamento.

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  2. concordo e ía referir a população, mas na resposta ao João fizeste-o e muito bem.
    um apartezinho, não sei ao que te referes quando dizes 'uma parcela da população que mal tem a quarte-classe dos nossos avós' e que adora mexericos e crimes de faca e alguidar e mamas de fora. não tem esse direito, tal como eu gosto de concertos e de teatro e de música clássica? só porque não gostam das mesmas coisas que nós, são tratados, eu senti isso na tua escria, com um certo snobismo, Mark?
    bem, quando eu vou ao café por estes lados com a família, até folheio o CM, entretém-me. sou povinho? se calhar sou :) sou um bocado de tudo e isso é o sal da vida. :)
    bjs.

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    1. De todo, Margarida. Entendeste mal as minhas palavras. A minha crítica não é dirigida às pessoas que lêem esses jornais (afinal, também os leio, pelos vistos!). A minha crítica vai inteiramente para os jornais que - aí sim - aproveitando-se do facto de termos um povo que infelizmente não pôde estudar, vendem conteúdos sem rigor e com pouco profissionalismo, reconhecendo, todavia, a importância desse tipo de publicações, nomeadamente nas denúncias de situações que de outra forma estariam encobertas.

      Não há qualquer snobismo. Se houvesse também to diria sem quaisquer pudores. :) É que não há mesmo! Quis criticar os jornais. :)

      Povo somos todos. :D

      beijinhos.

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    2. desculpa tanta gralha no texto ontem, estava cheia de sono e saiu pessimamente.
      continuemos, então: entre um jornal sem rigor, para as massas, e um semanário com um arquitecto homofóbico, acho que prefiro o primeiro. :P
      bjs e bom sábado.

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    3. Sem dúvida! Mas olha que o jornal sem rigor, para as massas, também prima pela homofobia. Já não é a primeira vez que vejo insinuações que demonstram desprezo e indiferença em relação a gays. Aqueles títulos ridículos, frequentemente. :s

      beijinhos e bom sábado. :D

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    4. Interessante a perspetiva da Margarida.
      De facto, diversificam-se as formas de escrita e conteúdos. O público.alvo é diferente, nestes jornais, mas não devido apenas à escolaridade. Se A lê o CM então é inculto ou não tem a devida escolaridade?!... Preocupa-me sim que os nossos jovens não leiam qualquer jornal, revista ou livro e seja dada prioridade às novelas sem conteúdo e Big brother.
      Infelizmente, e há um ano tenho-o constatado, os jornais "sensacionalistas" traduzem a verdade escondida de um povo e que neste país existem psicopatas, por exemplo, para além de pedófilos...
      Um abraço.

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    5. Paulo, tens toda a razão e lamento se as minhas palavras provocaram em ti essa sensação. Não quis, de forma alguma, menosprezar quem lê os tablóides. Eu mesmo, apesar de não os ler com frequência, folheio-os de vez em quando. Bom, verdade seja dita: faço-o por pura curiosidade e monotonia.
      Como disse, acho saudável que haja de tudo. Apenas lastimo que essas publicações façam 'trinta por uma linha' para vender, utilizando os esquemas mais ardilosos e desonestos. Quantas e quantas vezes são feitos julgamentos sumários em praça pública muito antes de os mesmos terem lugar onde de direito (os tribunais)?...

      Sim, sem dúvida. Esses jornais desempenham um papel de denúncia e isso é de salutar. Há é que escrutinar entre as denúncias válidas e as meramente caluniosas.

      abraço. :)

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  3. Era o que faltava, incluir o Cristianismo numa constituição europeia. É que era mesmo o que faltava! Foi historicamente importante, e depois? A lei da espada também foi importante na formação dos estados, e não é por isso que fazemos uma bandeira europeia com espadas em vez de estrelas. Thank GOD!
    Eu gosto muito do conceito e da ambição de uma união europeia e defendo-a energicamente. Reconheço-a como um projecto com muito ainda por aprender e aperfeiçoar. Só a ideia de ir a Paris, Berlim, ou Bruxelas e poder pagar com a mesma moeda do meu país é brutal. Reconheço que projetos da união como uma moeda única têm os seus defeitos e fragilidades, quiçá mais que vantagens, mas é a ambição, o sonho e a visão que aplaudo.
    Sobre a Turquia, duvido que entre. Oxalá um dia seja um país mais democrático, verdadeiramente laico e moderno. Os jovens turcos, e alguns deles gays tão giros, merecem.

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    1. Pois, nem haverá inclusão de Cristianismo, nem Constituição. Os referendos na França e na Holanda foram deveras conclusivos: os povos europeus já demonstraram que não querem uma federação, preferindo aprofundar os laços noutro sentido. Daí o tratado reformador de Lisboa.

      O problema está aí. Lol Não me causa qualquer 'comichão' a união económica e monetária, a supressão das fronteiras, nada disso, Gosh! Apenas me incomoda o rumo 'federalista' que a União seguia. Sim, 'seguia', porque com tantos percalços viram-se obrigados a refrear os ânimos. Eu SEMPRE disse que apoio uma 'união' europeia, mas não em moldes federais. Como está actualmente, mudaria aqui e acolá, somente. (:

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  4. É certo que a União Europeia quer a Turquia como membro devido à quantidade de mulçumanos. Isso não pode ser expresso desta forma, mas é assustador imaginar a quantidade de mulçumanos a entrar pela europa fora, com fronteira com o Irão...

    Dá jeito a Turquia como "amiga", mas não como Sócia neste jogo. Afinal, dá jeito ter uma base militar lá, quando os ódios se incendeiam...

    Israel entra na Eurovisão porque apesar de não localizar-se no continente, participa por ser filiado da União Europeia de Radiodifusão como a Síria e o Líbano. Estes últimos é que não querem participar :)

    Adoro cada post teu

    Abraço amigo, bom Domingo

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    1. Sim, é evidente que o factor religioso pesa e muito. Infelizmente, diga-se. Nem todos os estados da União são laicos: o Reino Unido, por exemplo, não o é. A União deveria ser a primeira a demonstrar mais tolerância, sobretudo numa época em que florescem os extremismos cristãos e muçulmanos, em plenas 'guerras santas' versão XXI.

      É, a Turquia é uma velha aliada do Ocidente desde os tempos da Guerra Fria. Pertence até à NATO/OTAN...

      Obrigado! :)

      abraço.

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  6. Durante as férias que recentemente lá fizemos, esse tema foi várias vezes abordado e não creio que a Turquia tenha algum cabimento na UE. É um povo de tal forma diferente em termos religiosos e culturais, que é como a água e o azeite. Para além da falta da democracia, sente-se sobretudo que a religião comanda a vida daquele povo, o que se traduz em tradições e costumes muito fechados que nada têm a ver com a Europa. Claro que aqui são as mulheres as mais atingidas e vi casamentos a serem celebrados entre miúdas de 12 anos e homens de 30, o que me chocou por exemplo.
    Uma das curiosidades (que talvez também revele o desejo da Turquia entrar na UE) é que o euro é aceite em todo o lado. Nos sítios mais 'finos', a conta vem logo em liras turcas e em euros e tu escolhes como queres pagar. Mas nos mercados de rua, nos cafés, nos restaurantes, eles fazem-te logo ali o cambio e pronto.
    Do meu ponto de vista, tenho grandes dúvidas e penso mesmo que seria caótico a Turquia aderir à UE.
    Abraço Mark.

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    1. Arrakis, voltaste! :)

      Eu também considero a integração europeia da Turquia como algo difícil. É um povo muito diferente nos costumes e tradições, tendo pouco de 'europeu'. Além do mais, para se pertencer ao 'grupo' são necessários uma série de requisitos que não se vislumbram ao alcance da Turquia. :|

      abraço e bem-vindo de novo! :D

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