29 de maio de 2011

Arbítrio na Aplicação da Medida de Coação


O impacto do recente caso da agressão, perpetrada por dois indivíduos jovens a uma rapariga de catorze anos, fez com que muitos aplaudissem e saudassem a medida do juiz de instrução criminal que decretou a prisão preventiva aos dois agressores. A medida, segundo consta, é considerada exemplar. Não será exemplar demais?
O instituto da prisão preventiva só deve ser aplicado quando estão em causa valores como os da segurança da vítima, perigo de fuga dos arguidos, continuidade da prática do ato criminoso, entre outras que se enquadram no mesmo espírito. Trata-se da medida de coação mais grave aplicada a qualquer arguido. A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada arbitrariamente pelos juízes. Têm de existir fundamentos plausíveis e imperativos que forcem um magistrado a socorrer-se desse instituto previsto na lei.
Todos os dias assistimos a atos manifestamente mais graves para os quais não é aplicada a prisão preventiva aos arguidos implicados. É só folhearmos as folhas de qualquer jornal para termos conhecimento de verdadeiras injustiças e de arguidos que deambulam livremente pelas ruas colocando em perigo as próprias vítimas e a sociedade, em geral.
Em relação ao arguido que filmou a agressão à jovem, uma vez que se trata de um sujeito referenciado e já arguido em outros processos, não posso deixar de concordar com a medida de coação. É reincidente e, por isso, terá de ser tratado de uma outra forma. Relativamente à agressora de dezasseis anos é que me recaem algumas dúvidas. Sabemos que as prisões, embora tenham como objetivo não tanto a penalização dos criminosos, mas sim a sua reinserção na sociedade, não cumprem a finalidade para a qual foram instituídas. Quem entra numa cadeia acaba por sair bem pior. Os estabelecimentos prisionais são verdadeiras escolas do crime, onde entram pessoas condenadas por pequenos delitos e saem verdadeiros criminosos. Qual será o impacto que uma prisão preventiva terá no espírito de uma jovem que ainda está em processo de formação da sua personalidade? Não será o remédio pior do que a doença?
Vivemos - quero acreditar - num Estado de Direito. As decisões judiciais não podem ser tomadas de ânimo leve por parte dos magistrados. Tenho de concordar com o Bastonário da Ordem dos Advogados, o Drº Marinho Pinto, quando diz que esta decisão, nomeadamente no que diz respeito à jovem agressora, se trata de uma medida de um «sistema judicial da Idade Média». Eu diria que se trata de uma subversão do Poder Judicial à Comunicação Social e ao impacto que estas notícias têm na sociedade que, erradamente, se refletem nas decisões dos magistrados.
É um assunto muito pertinente e que me interessa por motivos futuramente profissionais. Não se trata de desculpabilizar o que aconteceu. Erraram e terão de ser responsabilizados pelo que aconteceu. Todavia, tem de existir proporcionalidade entre os crimes e as penas, entre os crimes e as medidas de coação aplicadas. Neste caso específico houve um abuso na aplicação da medida de coação e espero, muito sinceramente, que se corrija este erro grosseiro.

28 de maio de 2011

Fim de Um Capítulo


As aulas terminaram hoje. Como vos disse há uns dias, combinei sair com o R. nesta tarde. Quando cheguei à faculdade mandei-lhe uma sms, uma vez que não o via e tínhamos combinado previamente que nos encontraríamos à porta da mesma. Não me respondeu. Fiquei preocupado até porque senti que talvez o que desconfiasse se tivesse verificado... Ontem houve uma festa ridícula na faculdade. Uma festa cheia de álcool e onde o que interessa é encher a cara sem qualquer controlo, sabem? Detesto isso. Que mania que têm de que a juventude é irreverente por ser banal e desprovida de quaisquer interesses lógicos; a verdadeira diferença está em sermos nós próprios. Isso sim marca a nossa personalidade.
As minhas suspeitas confirmaram-se. Ele chegou à faculdade para a terceira aula, com uma enorme ressaca, um cheiro pavoroso a cerveja barata, a camisa toda aberta e o cabelo super estranho. Um cenário dantesco... Não estava embriagado por completo, é verdade, mas ainda trocava a voz e dizia palavras sem sentido algum. Ainda se desequilibrava. Vi-o casualmente sentado no jardim enquanto passava com uma amiga, pedi-lhe que não comentasse com ninguém acerca  do que vira e levei-o para um dos banheiros mais próximos. Ele conseguia, embora devagar, caminhar sem ajuda, mas mesmo assim achei por bem ampará-lo. Já no banheiro, passei-lhe água no rosto no momento em que ele começa a querer agarrar-me. Colocou-me as mãos na cintura e puxou-me contra o seu corpo à medida que proferia umas palavras meio imperceptíveis, acompanhadas de um hálito horrível. Afastei-o, embora quisesse muito que ele continuasse. Todavia, nada seria verdadeiro, nada seria real. Provavelmente ele nada faria caso estivesse sóbrio.
Depois de sairmos do banheiro, e já com os botões da camisa abotoados e o cabelo penteado com a escova portátil que trago sempre na minha mala, levei-o ao bar da faculdade e pedi um café bem forte para ele. Bebeu-o e, com o passar do tempo, começou a despertar...
Longa história. Não queria ter ido, mas uns tipos desafiaram-no (pessoas, diga-se, com as quais não me relaciono) e ele acabou por ir. Disse-me que não me convidou porque «sabia que não aceitavas». Revoltei-me, não por não me ter convidado, porque, de facto, não aceitaria; fiquei profundamente chateado por ele ter comprometido a nossa tarde e por estar naquele estado deplorável, pese embora não o tenha feito deliberadamente. Quando dei pela hora, apercebi-me de que perdera os dois últimos tempos, uma aula de revisões e a despedida dos meus amigos. Achei que era melhor levá-lo a casa ou pelo menos até à estação dos comboios, mas ele, qual homem de palavra, disse que a nossa tarde «estava de pé». Tentei recusar, porém, ele não deixou.
A nossa tarde foi fenomenal (irónico)... Almoçámos no McDonald's do Saldanha e depois, tal como o prometido, fui comprar o Born This Way da Gaga. Por momentos, nem quis acreditar que eu - sim, eu - estava com um rapaz completamente ressacado na minha frente. Depois de uma noitada daquelas ainda se aguentou de pé para estarmos juntos. Eu tenho isso em consideração, mas fiquei sentido. Planeei algo diferente, sei lá. Não consigo, contudo, deixar de considerar todos os momentos com ele como bons momentos. Foi diferente. E ele, diga-se de passagem, com uns cafés fica "quase" como se estivesse no seu estado normal.
Levei-o até à estação dos comboios e fiz-lhe a derradeira pergunta que me atormentava desde manhã: se tinha estado com mulheres, nomeadamente com a loura oxigenada de serviço. O estado em que ele se encontrava fez-me perder qualquer pudor e perguntei-lhe decididamente. Da resposta é que não estava à espera.
"Não, não 'tive, mas apeteceu-me. Só não o fiz porque pensei que queria 'tar contigo."
Não tive coragem de lhe dizer fosse o que fosse. Não me quis comprometer e não o quis comprometer.
Voltei para casa a ouvir o meu novo álbum.

25 de maio de 2011

O Espectro da Fome


Enquanto alguns se preocupam com o carro que vão adquirir graças à troca do anterior ou a roupa que vão levar para a próxima festa social, há quem pense que no dia seguinte pode não ter o que comer. Há quem viva com pensões miseráveis em pleno ocidente europeu moderno e de primeiríssimo mundo.
Hoje, desloquei-me ao centro da cidade para tratar de uns assuntos. Estacionar o carro em Lisboa - e quem é lisboeta sabe-o - é uma árdua tarefa que exige paciência e disponibilidade. Não tenho qualquer uma das duas, no entanto, continuo a desafiar-me. Encontrei um lugar, estacionei e percorri as ruas até chegar ao meu destino. A meio do caminho, ali para os lados da Avenida Duque D'Ávila, sozinha no meio de transeuntes que passavam indiferentes à sua presença, dei por uma senhora, que deveria ter seguramente mais de oitenta anos, sentada numa cadeira, de mão estendida, a pedir uma esmola a quem passava. A sua pele extremamente envelhecida, sobretudo na parte do pescoço, revelava a sua idade avançada. Os seus olhos, tristes e amargurados, eram o espelho do sofrimento escondido e latente no interior do seu coração cansado. Não estive perante um jovem preguiçoso que pede porque não quer trabalhar; não estive perante um toxicodependente que quer dinheiro para saciar os seus vícios; não estive perante o ócio que não conhece a palavra esforço e vergonha. Não. Estive perante uma idosa que pedia para comer.
As pessoas passavam e nem sequer olhavam. Rejeitam a sua própria vergonha. Viram a sua face à miséria que está perante os seus olhos. Renegam o espectro da fome.
Passei, detive-me na minha estupefacção e não soube o que fazer. Abri a carteira, tirei umas moedas e coloquei-as na mão da senhora. Que sentimento de impotência! Acabei de fazer o que todo o cidadão hipócrita faz para ficar de bem com a sua consciência. Resolvi o problema da senhora? Não. Dei a triste esmola, dinheiro vil e sujo, e segui o meu caminho. É este o comportamento que devemos adotar uns para com os outros? Certamente que não.
Eis a triste realidade de um país que despreza e maltrata os seus idosos. Aquela senhora poderia ser a nossa amiga, a nossa avó, a nossa mãe... Com o rumo de mórbida indiferença que o mundo segue, nós seremos aquela senhora quando tivermos a sua idade.






Imagem: Homem Velho Com A Cabeça Em Suas Mãos (1882), Vincent van Gogh

23 de maio de 2011

Momentos Finais


Pois é, passaram-se oito meses desde o início do ano letivo. Oito meses desde o início da minha vida académica. O primeiro ano aproxima-se do fim e, devo dizê-lo, felizmente. Estou exausto! Não é à toa que se tiram boas notas. É que eu, apesar de acreditar que não somos todos iguais, ou seja, há pessoas com mais capacidades do que outras, defendo a ideia de que sem estudo não se chega a lugar algum. Acreditem! Para além de tudo, o meu curso é muito, mas muito exigente. É das licenciaturas mais desgastantes a nível emocional e físico. Ainda hoje, a propósito, uma colega minha teve uma crise nervosa. Chorou o rio Tejo...
Eu sou fraco. Não tenho uma grande resistência física. Refiro-me a noitadas a poder de cafés, redução de horas de sono, apanhar frio e chuva para chegar a horas, etc. Há quem o faça, mas eu não conseguiria. Cairia na cama, doente, num ápice... Psicologicamente é que "a coisa é diferente". Sou um muro impenetrável, no bom sentido, claro. Há professores que gostam de nos colocar à prova, humilhando-nos de forma a testarem os nossos limites, todavia, comigo não terão muita sorte. É muito difícil rebaixar-me ou deixar que me inferiorizem. A colega que referi acima, por exemplo, ficou assim porque teve uma conversa com um professor e não aguentou a pressão...
Durante este primeiro ano sucederam-se imensas situações. Não deixei que me humilhassem logo de início, vulgo "praxar", como sabem, amadureci mais um pouco e conheci o R. É inevitável. Acho que o balanço é positivo. Tive de conviver, obrigatoriamente, querendo ou não, com pessoas diferentes de mim, com vivências e educações que em nada de assemelham à minha. Isto, parecendo que não, vai fazendo a nossa história pessoal. Aprendi, nomeadamente, a gerir ainda melhor o tempo, a improvisar em determinadas situações, a correr (por vezes literalmente!) entre o bar, a biblioteca e as salas de aulas e/ou auditórios, etc. Permitam-me um "LOL". Há cenas memoráveis, digo eu. É que não tenho a experiência da maior parte deles/as. Pareço um atadinho, mas enfim, foi a educação que tive, que me deram e acho que não devemos ser todos iguais. Às vezes é bom passarmos por dificuldades para sabermos o que fazer em momentos de aflição... Como nunca tal me sucedeu...
O R. e eu andamos na mesma. "Nem água vai, nem água vem...". Falamos, convivemos, ele trata-me com todo o carinho e atenção - muito diferente, até, da forma como dois rapazes se relacionam (pareço mais uma miúda quando estou perto dele...), no entanto, não passa disso. Mas, sabem, como vos disse num post  há já algum tempo, nem peço mais. Se acontecesse, tanto melhor; como não acontece, paciência. Somos amigos e pronto. Saímos às vezes (como a ida à Feira do Livro e outras) e está tudo bem. Aliás, já combinámos uma volta na sexta-feira, só os dois, por Lisboa, para encerrarmos as aulas. :) Também quero ver se compro o Born This Way. Sim, eu compro os álbuns que me agradam. Gosto de originais. Ando com a The Edge Of Glory a bater no ouvido. Aquilo é uma obra-prima, na minha opinião!
Depois da época dos exames vêm as tão aguardadas férias. Nem sei para onde irei este ano, mas já disse à mãe que é chegada a altura de me tirar de Portugal nas férias grandes. Pode ser que me ouça. :)   

20 de maio de 2011

O Fantasma (2000)


O Fantasma, de João Pedro Rodrigues, é um dos filmes mais profundos que já vi. Não o digo apenas por ser um filme que aborda a temática gay; digo-o porque se trata de um filme que explora as fragilidades inerentes à condição humana. Desde os nossos instintos mais primitivos até a uma possível sexualidade reprimida que quando revelada expõe o que de mais verdadeiro existe dentro de nós, O Fantasma tem essa capacidade, ao menos a mim, de me prender desde o primeiro minuto.
Não se trata de um filme consensual. Há quem goste e há, evidentemente, quem não se identifique com o estilo. É um filme um pouco alternativo, com pouca ação (como todos os filmes portugueses) e com diálogos manifestamente incipientes. No entanto, pergunto-me, será que o filme manteria toda essa misticidade caso se tornasse mais comercial, mais acessível a uma mensagem rápida e facilmente absorvível? A minha resposta é não. Todo o ambiente que o caracteriza é absolutamente essencial para que tenhamos uma atmosfera tensa, mas, ao mesmo tempo, real, sentida. Uma realidade quase palpável. O negro da solidão das noites de Lisboa, destacado, tratando-se de um rapaz de vinte anos, coletor de lixo a viver sozinho numa pensão da capital,  revela a fragilidade da vida humana. Uma fragilidade sentimental, uma instabilidade apoiada num sobre outro dia e sobre ainda outro dia... Conquistas diárias, um pouco de nada, amor em falta e desejos reprimidos. É essa a fórmula mágica, permitam-me, de O Fantasma.
Abstraindo-me de considerações sobre o aspecto físico do ator, muito apreciadas pela comunidade gay, detive-me no que me pareceu o essencial.
Vi o O Fantasma há uns anos, meio criança, meio adolescente. Vi as cenas sexuais explícitas e vi o que é o carácter podre, fugaz e execrável do mundo gay. O sexo fácil, desprotegido, qual penetração fortuita num qualquer descampado ou beco. Mas, também vi a beleza noturna de Lisboa. E vi mais: vi um rapaz, que interpretava, certamente, mas cuja vida poderia ser real.
Ontem revi o filme. E captei todas as mensagens subliminares e implícitas que a idade teimava em não deixar revelar. Vi que a vida é assim, mais ou menos fantasiada.
Quantos fantasmas sairão ao abrigo da escuridão noturna?

As Ordenações Filipinas e A Penalização Sexual


As Ordenações Filipinas foram a compilação legislativa por excelência que vigorou em Portugal de 1603, data da entrada oficial em vigor a mando de Filipe II de Portugal (III de Espanha), até 1867, data da entrada em vigor do primeiro código civil, o Código Civil Português de 1867, também conhecido como Código Civil de Varela, um dos seus revisores. Como podem constatar, teve uma enorme vigência. No Brasil, as Ordenações Filipinas vigoraram até 1916, também a data do primeiro Código Civil Brasileiro.
Não pretendo centrar-me nas Ordenações em si, uma vez que esse não é o objetivo do texto, mas sim em algumas leis que achei interessante analisar. Para muitos de vocês seria a última coisa que fariam, todavia, tenho passado os últimos dias, da parte da tarde, a analisar os textos das Ordenações Filipinas que imprimi na biblioteca da faculdade e que estão escritas no português do século XVII.
Então, descobri algumas leis que envergonhariam os homens do nosso tempo, apesar de para muitos serem as ideais... Digamos que as aplicariam, caso pudessem, sem hesitar.

No Livro V, Título XIII, tínhamos estipulado o seguinte:

"Toda a pessoa, de qualquer qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira cometter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memoria, e todos os seus bens sejam confiscados para a Còroa de nossos Reinos, postoque tenha descendentes; pelo mesmo caso seus filhos e netos ficarão inhabiles e infames assi  como os daquelles  que commetem crime de Lesa Magestade."

Sodomia, para quem não sabe, é um nome advindo da palavra bíblica Sodoma, que se tratava de uma cidade cujos os seus habitantes cometiam crimes ofensivos aos olhos do Senhor, nomeadamente o pecado de sodomia, ou seja, sexo anal.
Mas há mais. Também os travestis e transexuais eram contemplados...

No Título XXXIV, do mesmo Livro V, dizia o seguinte:

"Defendemos que nenhum homem se vista, nem ande em trajes de mulher, nem mulher em trajes de homem,  nem isso mesmo andem com mascaras, salvo se fôr para festas, ou jogos, que se houverem de fazer fóra das Igrejas e das Procissões.
E quem o contrario de cada huma das ditas cousas fizer, se fôr peão, seja açoutado publicamente, e se fôr Scudeiro, e dahi para cima, será degradado dous annos para Africa, e sendo mulher da dita qualidade,  será degradada trez annos para Castro-Marim.
E mais cada hum, a que o sobredito fôr provado, pagará dous mil réis para quem o accusar."

Até custa a crer que alguma vez tenham vigorado, no nosso país, tamanhas leis aberrantes, arbitrárias e contrárias à dignidade da pessoa humana. Mas vigoraram e durante séculos. Por isso mesmo, quando pensamos que mais poderia ser feito na atualidade, devemos olhar para o passado e tirar conclusões. Como seria difícil ser diferente naquele tempo...
Os séculos XIX e XX não trouxeram grandes alterações neste campo, pelo menos até 1982, data em que a homossexualidade foi descriminalizada. É sabido que, durante o Estado Novo (1933 - 1974), conservador e autoritário, a homossexualidade foi reprimida e penalizada legalmente.
O mundo evolui, devagar, é certo, mas evolui.

17 de maio de 2011

Comportamentos Inusitados


Hoje, recebemos mais um teste. Fui, de novo, a melhor nota da turma. A princípio, o facto de ser a melhor nota a esta ou àquela cadeira não suscitava qualquer reação especial. No entanto, à medida que se torna cada vez mais comum eu ter as melhores notas, surgem também os primeiros comentários desagradáveis.
Não tenho tendência a socializar com todas as pessoas, como geralmente sucede. Sou reservado e só me relaciono com um grupo restrito de pessoas com as quais partilho interesses mútuos. É assim na faculdade. Para terem uma ideia, eu sento-me numa fila do lado mais vazio da sala, ao lado do R. e de mais duas colegas. O resto da turma interage normalmente, excetuando eu. Até o R. e essas colegas o fazem. Da minha parte é raríssimo. Ora, não tarda a que alguns me considerem elitista, alegando, nomeadamente, que nutro um desprezo pelos colegas. Isto são deduções minhas, que capto através de olhares e pequenas atitudes. Até pode ser uma neura. Digamos que deduzo que assim seja, uma vez que reagi mal, desde o início, a determinadas atitudes. Não gosto de pancadinhas nas costas, e um colega chegou a fazer isso sem me conhecer de lado algum; não gosto de conversinhas com as coleguinhas, e algumas metiam conversa comigo mesmo sabendo que não estava interessado; não gosto de intromissões na minha privacidade, e volta e meia perguntavam-me coisas como o tempo que despendo a estudar, onde vivo, que manuais compro, etc.
Hoje, depois da entrega do teste, uma colega lá veio com aquela conversa semi-invejosa que me provoca náuseas.
"Bem, mais uma n'é?" (Referia-se à positiva e ao facto de ter sido a melhor nota)
Não gostei do seu tom de voz e da forma como se dirigiu a mim. Não a conheço de lado algum, a que propósito se dirigiu a mim nesses termos? Detesto estas interpelações. Ignorei-a na sua cara. O R. sentiu que não estava a gostar daquilo e disse-me se queria ir ao bar da faculdade. Notei que olhou para ela com um ar de desagrado.
Já no bar, falámos sobre este tipo de situações constrangedoras e tive de lhe explicar que estou habituado a isto desde o Básico, no colégio. É sempre assim. As pessoas gostam de mim, pessoas, entenda-se, colegas, até se aperceberem que não conseguem competir comigo. É uma triste realidade, mas é um facto inalterável mesmo que o tentasse refutar. Eu nada faço para intimidar as pessoas com as notas. Dou e darei sempre o meu melhor. Tenho as mesmas aulas que eles, os mesmos apontamentos, os mesmos livros, logo, as oportunidades são iguais. Distingo-me pelo meu mérito e nada os impede de fazerem o mesmo. Puxa, estudem e façam melhor. Se me ultrapassarem, parabéns!, a sério, digo-o com sinceridade.
O R. escutou-me com atenção e sei que percebeu o que me angustia.
Não é fácil. Apesar de todas as recompensas, o reconhecimento do mérito e do valor, quem sobressai em alguma coisa é sempre visto de uma outra forma. Claro que pouco ou nada me importo com o que pensam de mim, mas terei de conviver com essas pessoas durante dias, meses e anos. Seria bom se pudesse afastar-me, porém, não o posso fazer.
Parecendo que não, o R. é uma tábua de salvação, sem prejuízo de ter amigas na faculdade e alguns conhecidos, filhos de conhecidos e amigos da mãe. O R., todavia, é aquela pessoa que está mais próxima, que me entende, que me vai buscar a garrafa d'água, que me carrega os livros se lhe pedir, que me compra um gelado... Não sei o que faria se o perdesse de repente. Ele, por vezes, diz que vai desistir e sinto logo um arrepio na pele.
Será que é o que estou a pensar?

14 de maio de 2011

Curtas #1

Conversa com mais duas colegas:

C.: "Tenho de dar um jeito nas minhas sobrancelhas. Ando a adiar..."


R.: "Eu faço com uma linha chinesa. É bem melhor e dói menos."


Mark.: "Eu faço no cabeleireiro. Como é essa técnica?"


R.: "É uma linha fantástica. Não dói nada e é bastante prático."


C.: "A mim dói-me sempre bastante. A sobrancelha esquerda dói mais."


R.: "É normal. A depilação na parte esquerda do corpo e as dores, em geral, na parte esquerda, são piores."


Mark.: "Ai, sim? Porquê?"


R.: "Porque é o lado do coração, logo, dói mais."


Mark.: "Ainda bem que o cu é no meio..."


(silêncio)

;)


Trata-se de uma nova rubrica do blogue. São pequenos diálogos trocados com outras pessoas que eu considero dignos de serem conhecidos por todos. :) É banal colocar diálogos sem texto, bem sei, mas valerá a pena. LOL

11 de maio de 2011

Manhã de Estudo


Nunca fui de faltar às aulas, nem mesmo em período de testes. O ano letivo aproxima-se do final e também os exames às disciplinas se aproximam... do começo. Muitos faltam a várias aulas para estudarem para os testes, todavia, nunca gostei de o fazer. Vejamos: se falto a uma aula para estudar para uma outra, acabo por perder uma aula apesar de, inconscientemente, pensar que estou a tomar a melhor decisão. Isto é um mero pensamento hipotético. O estudo é algo que se deve fazer em casa, todos os dias, pelo menos umas duas horas por dia. No meu caso, melhor dizendo, na minha licenciatura, tudo o que for menos de quatro horas é manifestamente insuficiente. Por todos estes motivos, irrita-me ver os auditórios vazios porque quase todos resolvem faltar a uma ou duas horas antes de um teste e deixam os professores, quase sozinhos, a falarem «para o boneco». É uma falta de respeito.
Não há regra sem exceção, já diz o velho ditado, e hoje foi o meu dia de faltar a uma aula, das 11 horas, para estudar para um teste, às 12 horas. Claro que não foi por mim. Mal de mim no dia em que precisar do tempo da aula imediatamente anterior a um teste para estudar! Fui desafiado pelo R., claro. Como também precisava de descontrair um pouco, acabei por aceitar. Ele estava todo nervoso, afinal, disse-me que não tinha estudado nada e precisava de fazer umas cábulas à pressa. Enfim, o que eu aturo... Às vezes dou por mim a pensar no motivo que me leva a relacionar-me com ele. Mas o que é que vi nele?
Fomos até à sala de estudo da faculdade, local horrível pejado de tudo o que é gente barulhenta e mal educada. Para além disso estava um calor de morte. Ambos nos sentámos numa mesa, sozinhos, e assim ficámos uma boa meia hora. Ele, claro está, aflito. Não sabia se cabulava, se tentava estudar qualquer coisa. Pediu-me para que me sentasse ao seu lado no teste, pois, segundo as suas palavras, «era meio caminho andado para o dezito (10)». Que inconsequente e relaxado! Digo-o aqui e disse-lhe na sua cara. Como é possível um estudante universitário estar a estudar a uma hora do teste? Tentei ajudá-lo de forma a que ele absorvesse o máximo possível. Procurei dar-lhe indicações sobre os detalhes e os tópicos mais importantes. No meio disto tudo, tive uma enorme pena dele. Vê-lo ali, aflito e a transpirar, tentando memorizar umas matérias, deu-me uma vontade enorme de o abraçar e confortar, mesmo sabendo que a culpa de não estudar é inteiramente sua. Se eu pudesse, dizia-lhe tudo, mas arriscava-me a que me anulassem o teste. E a ele também.
A um dado momento, uma loura oxigenada chegou-se à nossa mesa e foi cumprimentá-lo. Apesar de não me conhecer, cumprimentou-me e eu, educadamente, correspondi, não sem olhar para ela de alto a baixo como se se tratasse de uma minhoca. Vi logo que aquele beijinho que trocaram indiciava alguma coisa da parte dela. Então, conheceram-se nas praxes e até chegaram a sair juntos naquelas baboseiras universitárias! A vozinha irritante da songa-monga provocava-me vómitos interiores e não hesitei em mostrar o meu descontentamento, para ambos, virando a cara para o lado esquerdo. Talvez apercebendo-se do facto, o R. disse-lhe claramente que precisava de estudar porque estava aflito, pedindo-lhe desculpas e esperando que ela não levasse a mal. Aquela sonsinha? Imagino... Deve ter o pipi inflamado de desejo, uma vez que é tão oferecida!... Ao saber a minha opinião sobre ela, após a sua saída, imaginem, ainda me disse: «Porque é que és assim?», «Olha que ela é de boas famílias e é super educada» e «Se a conhecesses ias gostar dela porque são parecidos». Como se eu ficasse impressionado com o pedigree daquela cachorra suburbana! Desculpem-me, mas odeio-a, ponto.
Hora do teste. Saímos, descemos as escadas e fomos até à sala. Levou o teste todo a olhar para mim esperando obter uma resposta. Foi-me completamente impossível ajudá-lo, devido aos olhos de gavião do professor. Tentei mímica, mas não surtiu efeitos... Veremos. Até eu tive dificuldades. Foi horrível.
Estou um pouco de pé atrás com ele. Não gostei da forma como falou com a loura (não posso falar muito mal de louras pintadas porque a mãe é loura pintada / platinada). Foi muito palavrinhas doces e meigas. Detestei! Se por um lado sublinha o seu lado mais masculino, pelo outro evidencia um interesse que não me agrada. E odiei os pormenores nojentos sobre as saídas noturnas.
Para a próxima pede-lhe ajuda! Em troca, ele pode bem apagar-lhe o fogo púbico! Bah!

9 de maio de 2011

Os "Pequenos" Erros...


... que quase ninguém dá por eles. Quase. Eu dou. Aliás, não devo de ser o único. Espero não ser o único. Refiro-me, para quem não sabe, ao vídeo nacionalista português dirigido à Finlândia que anda a circular por aí. Geralmente não presto atenção a essas coisas porque detesto nacionalismos exacerbados, mas, ao visualizá-lo, até fiquei com uma boa impressão. Estou a ser sério. Acredito mesmo que este vídeo fez mais pelo orgulho português ferido do que quaisquer mensagens ou apelos presidenciais. Contudo, o facto de achar o vídeo interessante não me leva a fechar os olhos àquilo que considero serem erros. Podemos discutir se são erros grosseiros ou não, todavia, tratam-se de erros e imprecisões históricas. Também sei que o objetivo do vídeo não é o de ensinar os portugueses relativamente à sua nobre história. Foi uma mera brincadeira que atingiu proporções nacionais e internacionais (parece que já chegou à Finlândia e já teve resposta...). Mantenho a minha ideia: se as pessoas decidem fazer este tipo de coisas, pelo menos tenham o cuidado de as fazerem bem feitas, se possível sem erros. Vamos a eles.
Logo num dos primeiros momentos do vídeo é dito que os gregos andaram no território que hoje compreende Portugal. Há uma confusão entre gregos e romanos, provavelmente. O território que hoje é Portugal fez parte do Império Romano e não da Grécia. A própria Grécia tornou-se uma província romana. Toda a Península Ibérica era conhecida por Hispânia e encontrava-se dividida em duas: Hispânia Citerior e Ulterior. A partir do Principado (27 a. C.), parte do atual território português passou a ser a província da Lusitânia.
Noutro momento do vídeo é referido que Roma tem mais igrejas portuguesas que qualquer outra cidade. Nunca ouvi tal alarvidade, permitam-me o termo, em toda a minha vida. Sempre pensei que em Portugal é que existiam vestígios da arquitetura romana e não o contrário, mas enfim. Devem ser vestígios da colonização portuguesa em Itália... (LOL)
Porém, o erro que mais despertou a minha atenção foi o que defende que a escravatura foi abolida em Portugal no ano de 1751. Bom, em primeiro lugar há que fazer a distinção entre a abolição em Portugal, metrópole, e no restante Império, à data. A escravatura, em Portugal, foi legalmente abolida por D. José I, através do seu todo-poderoso ministro Sebastião José (Marquês de Pombal para os incautos...), a  19 de Setembro de 1761, dez anos depois da data que consta no vídeo. Mas, só em 1773 seria abolida totalmente em Portugal. Sublinho, em Portugal. Não se pense que Sebastião José o fez por motivos humanitários como, no vídeo, apesar de incorreto, se dá a entender. Sebastião José odiava a nobreza latifundiária e, regra geral, toda a nobreza. Aboliu a escravatura de forma a evitar que os escravos, em Portugal, fossem utilizados como criados domésticos. Quis forçar a nobreza a contratá-los, pagando-lhes salários. Falta um pequeno pormenor: e no Brasil (na altura ainda uma colónia portuguesa), nas possessões africanas e asiáticas? Aqui vão as datas para mostrar o quão dianteiros fomos: 25 de Fevereiro de 1869 - abolição definitiva da escravatura em todo o Império Português! Um pouco diferente de 1751, convenhamos... Claro, em Portugal deu jeito, mas nas plantações gigantescas em África e no Brasil a situação era diferente. A mão-de-obra escrava era essencial. Hipocrisia no seu esplendor máximo: abolida em 1761 na metrópole e mais de cem anos depois nas colónias. Interessante... Em todo o caso, e daí esta explicação, 1751 é errado!
Outro erro: Cristóvão Colombo não disse ao rei português que tinha descoberto a América e só depois o fez ao rei espanhol... Colombo disse a D. João II que pensava saber qual seria o caminho marítimo para a Índia e apresentou o projeto ao nosso monarca. O projeto consistia em navegar pelo Ocidente e não contornando a costa africana, como, mais tarde, Vasco da Gama haveria de fazer. D. João II rejeitou a proposta e só depois Colombo a apresentou aos Reis Católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão. De facto, com a aprovação dos Reis Católicos, Colombo haveria de chegar, não à Índia como acreditava, mas ao continente americano, em Outubro de 1492.
Mais um... Num outro momento é-nos dito que dividimos o mundo em dois com a Espanha. Até aí tudo bem. Correto. Tratado de Tordesilhas em 1494. E que ficámos com a melhor parte: o Brasil. Erro! Em primeiro lugar, na altura não existia o Brasil; em segundo, por ocasião da assinatura do Tratado, a maior parte correspondente ao que hoje é o território brasileiro pertencia, efetivamente, a Espanha. Um dos meridianos do Tratado estipulava que as águas pertencentes a Portugal iriam até 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde, o que só apanhava, permitam-me a expressão, um pouco da costa da América do Sul. Um pouco aqui é relativo, mas era mesmo só a costa brasileira. Ora, como se sabe, o Brasil é o quinto maior país do mundo e grande parte do seu território (incluindo o estado do Amazonas) encontra-se bem no interior do continente, em terras pertencentes à coroa espanhola. Como é que no vídeo se afirma que ficámos com uma parte que nem era nossa? Sucede que, apercebendo-se desses factos, os reis portugueses promoveram a colonização do interior do continente. O diferendo só ficaria resolvido em 1750, com a assinatura do Tratado de Madrid, que revogou os preceitos do Tratado de Tordesilhas e reconheceu a ocupação efetiva das terras. Resumindo: as terras eram de quem as detinha. Como era Portugal que estava nesses territórios, o que o velhinho Tratado de Tordesilhas dizia já não era aceitável. Daí o tamanho do Brasil...
Filipe de Brito, e avançando, foi rei não do Myanmar, uma vez que a antiga Birmânia tem esse nome desde 1989, mas sim do Pegú, o nome dado a uma pequena parte do atual território que constitui o Myanmar. Esse "reinado" foi fantoche e não significou nada mais do que umas vitórias militares. As terras eram conquistadas em nome dos reis e não dos conquistadores. Ao que no vídeo se chama de "reinado" não era mais do que uma gestão do território em nome do rei, território esse que corretamente era o Sirião e não Pegú propriamente dito.
No vídeo descobrimos que Garcia da Orta recebeu Mumbai, ou Bombaim, como diríamos hoje em dia. Não pode ser mais errado. Os portugueses chegaram a Bombaim no início do século XVI e as cidades ou fortificações conquistadas pertenciam à Coroa e não a súbditos.
Parecem bastantes, não? Muitos mais existirão, deduzo eu. Não está em causa o mérito do vídeo; isso é inegável. No entanto, um pouco mais de precisão e veracidade não fazia mal algum. Valeu a intenção.

7 de maio de 2011

Levítico 18: 22




"Com varão te não deitarás, como se fosse mulher; abominação é;"


Levítico, 18: 22 / Bíblia

E foi com esta bela frase que tudo começou.
O Levítico, como se sabe, é um dos cinco livros mosaicos. Faz parte do chamado Pentateuco, juntamente com o primeiro livro da Bíblia, Génesis, Êxodo, o próprio Levítico, Números e Deuteronómio. O Levítico é, assim, considerado um livro jurídico, verdadeira compilação de direito a ser utilizada pelas gerações futuras. Claro está, tudo escrito segundo uma poderosa inspiração divina.
Podemos atribuir à Bíblia a real moralização da sociedade. É sabido e reconhecido que a homossexualidade coexistia normalmente, nas sociedades clássicas, com a heterossexualidade. Na Grécia e em Roma, a homossexualidade era encarada como um processo normal na vida dos cidadãos e não raras vezes os jovens tinham experiências homossexuais naquela que é considerada a fase de transição, a adolescência.
Moisés, qual hebreu filho de Levi resgatado das águas do Nilo, foi adotado por uma princesa egípcia e, em adulto, sabendo de antemão as suas origens, rebelou-se contra aquilo que entendeu ser uma opressão injusta contra o seu povo, o povo de Israel, o povo de Deus. Investido pelo Senhor, encaminhou o seu povo para a liberdade, resgatando-o da servidão da casa do Egito, não sem antes mostrar toda a autoridade de Deus com as dez pragas infligidas à grande civilização do Nilo. Contra ventos e marés, com a força do seu bastão separou as águas do mar perto de Pi-hairoth diante de  Baalzefon, sepultando centenas de egípcios e salvando o seu povo.
Durante a longa caminhada do povo hebreu, que ainda haveria de construir um bezerro de ouro..., Moisés juntou à boca do Senhor uma série de leis que ficariam conhecidas como leis mosaicas. Dentro dessas leis, encontramos esta passagem do Levítico.
Tratando-se ou não de inspiração divina, a doutrina do Levítico, sobretudo passagens semelhantes a esta, ajudou a impregnar os hebreus, os muçulmanos (para os quais Moisés é um dos profetas do Islão) e os cristãos de preconceitos e teorizações pecaminosas sobre a homossexualidade. Ao tornar-se a religião oficial do Império Romano, com o Imperador Teodósio I, em 380 d. C, a moralização cristã da sociedade haveria de se estender, com o fim do Império, aos povos bárbaros, recém cristianizados e, por fim, aos modernos estados europeus. A verdadeira condenação e perseguição da homossexualidade viria em 390 d. C pela mão do Imperador Teodósio I, dez anos depois do Cristianismo se tornar a religião oficial do Império.
Como é facilmente verificável, hoje em dia não estamos perante uma afirmação dos direitos das minorias sexuais; estamos, isso sim, perante um ressurgir de todos os direitos que existiam antes do Cristianismo se expandir pelo mundo ocidental. Houve uma interrupção de mil e quinhentos anos, uma verdadeira Idade das Trevas entre o mundo tolerante e o seu retorno.
Resta apreciar o conteúdo das leis mosaicas. Facilmente constatamos, ao analisar os textos mosaicos, uma verdadeira contradição entre os ensinamentos de Moisés e os ensinamentos de Jesus Cristo. Sendo certo que existem bem mais de mil anos a separá-los, os ensinamentos dos dois não deveriam ser tão diferentes, uma vez que ambos foram inspirados por Deus. Moisés é implacável, "olho por olho, dente por dente"; Jesus, por sua vez, advogou a bondade, a misericórdia e o perdão. Em nenhum ensinamento de Cristo, revelado pelos seus discípulos, encontramos uma só passagem condenando a homossexualidade. Pelo contrário, extrapolando a sua misericórdia a outras situações descritas na Bíblia, Jesus foi um exemplo de perdão, nomeadamente com a célebre mulher adúltera que evitou que fosse apedrejada (João 8: 2, 11).
Hipocrisia maior será utilizar o versículo 18: 22 do Levítico contra os homossexuais quando, às restantes leis do mesmo livro, ninguém ousa respeitar por considerá-las desatualizadas. É admissível, por exemplo, que uma mulher seja considerada imunda enquanto corre fluxo da sua carne (menstruação)? (Levítico 15: 19) Mais, faz sentido que uma mulher seja imunda por sete dias se der à luz um varão (Levítico 12: 2), mas, se tiver uma fêmea, seja imunda por duas semanas (Levítico 12: 5)? No fundo, é correto uma mulher ser imunda por dar à luz? Parece - e é - uma barbaridade entre várias. Então, porque motivo o versículo 18: 22 continua a ser utilizado por líderes religiosos e cristãos homófobos quando lhes é conveniente? Só algumas passagens são utilizadas consoante maior ou menor for a hipocrisia reinante.
Moisés viveu há perto de três mil e quinhentos anos. As suas ideias, os seus pensamentos e as suas leis refletiam os preconceitos da época. É pouco provável que Deus seja o Deus mosaico, destilando ódio e vingança por todo o lado. Seguramente, a minha imagem de Deus assemelha-se àquela que foi ensinada por Cristo: um Deus Pai e bondoso.
Todo o ser vivente é criatura de Deus. Não há excluídos nem condenados no seu enorme coração. A Bíblia terá, porventura, inspiração divina. Todavia, só após um escrutínio de todo o preconceito existente nas suas parábolas e nas suas frases poderemos retirar a verdadeira mensagem de amor, paz e reconciliação para os homens.

4 de maio de 2011

Aventura na Feira do Livro


Há uns dias, na faculdade, falou-se em irmos todos até à Feira do Livro. Todos, quero dizer, um grupo considerável da minha turma, incluindo eu e o R. Detesto programinhas de turma e detestava, ainda mais, alguns como este da Feira do Livro. Quero um livro, compro-o. Não é necessário andar nas feiras e feirinhas para comprar dois euros mais barato. Poupem-me!
Na altura, fui perentório (A. O.) com o R., numa conversa a sós.
"Se fores em turma, eu não vou. Não gosto de misturas."
Adivinhem? Acabou por voltar atrás e disse-lhes que não ia com eles. Combinámos, então, e a seu pedido, irmos num dia da parte da tarde. O dia foi hoje. Fomos de metro, apesar de eu ter jurado, há algum tempo, desde aquele episódio do assédio, não andar de metro tão cedo!...
Não o conhecia tão interessado em livros. Bom, reconheço que ele até é inteligente (embora com dificuldades no curso), mas desconhecia que adorava livros.
Fomos até ao malfadado Parque Eduardo VII e nunca pensei que aquilo fosse tão grande. Não me refiro ao Parque, óbvio, sou lisboeta e conheço a cidade (LOL); refiro-me, isso sim, ao número infindável de autênticas barracas de venda de livros. De um lado e do outro, do início ao fim.
Subimos o Parque à medida que íamos vendo os livros. A princípio estava super aborrecido. Não me apetecia estar ali nem um pouco, apenas não podia desperdiçar uma oportunidade de estarmos juntos. O R. falava: "Olha aqui!" e "Olha estes!" e "Vais adorar este!"... Eu, nada. Notei que estava entusiasmado. Parecia uma criança no meio do parque de diversões. Eu tentava disfarçar a impaciência em sair. Enjoei de tantos livros.
A um dado momento, perguntou-me se queria comer um gelado. Disse-lhe que sim. Comprou-me um gelado (sim, ele é um gentleman) e comprou outro para ele. Pensam que nos sentámos a comer? Não!, que o rapaz parecia que tinha um rastilho nos pés. Comíamos e andávamos.
Espreitou tudo o que é barraca de livros. Comprou dois, incluindo um de desporto que, sinceramente, achei péssimo. Eu também acabei por comprar dois. Aproveitei, não é, já que estava ali... Comprei um de poesia do Mário de Sá-Carneiro e outro de História, especificamente do início do reinado de Filipe II de Espanha (I de Portugal) em Portugal.
O que vos queria realmente contar é que, no fim, gostei de lá ter estado. Não pela Feira, mas sim por ele, pela sua presença. Senti-me como mais um dos vários casais de namorados que por lá andavam, mesmo sem mãos dadas, beijos ou atitudes carinhosas... Bom, retifico, houve uma atitude da parte dele que foi, de facto, uma demonstração de carinho implícita. Eu estava numa barraca a ver uns livros e dei por ele a chamar-me. Não respondi porque estava interessado no que estava a ler. Ele chegou-se por trás, colocou-me o braço masculino nas costas, envolvendo-me e puxando-me contra si à medida que sorria. Todo eu tremi. Até olhei em volta para ver se alguém tinha reparado. A resposta dele é que foi o máximo: "O que foi?". LOL
Foi das atitudes mais "descaradas" (não sei se é o termo correto, mas não me ocorre outro de momento) que ele teve comigo. Que coisa tão pouco heterossexual. Meteu-me o braço nas costas como um homem faz a uma mulher. Claro que gostei. LOL Agora, aprendam, não se deve mostrar muita solicitude. Fiz-me de ligeiramente incomodado, claro, quando na volta pensava: "Mais, mais, mais!".
Estivemos por lá umas três horas. Já deitava livros por todos os poros da pele! No entanto, aconselho todos a passarem por lá. É lúdico e instrutivo. Vale, sem dúvida, a pena. É uma forma de adquirirmos o mesmo por preços mais acessíveis. Eu é que tenho as minhas manias. ;)

3 de maio de 2011

3º Aniversário


... e parece que foi ontem, na noite de 3 de Maio de 2008, que tudo começou. O tempo passa depressa, bastante depressa até quando os anos que acumulamos não são muitos. Três anos na vida de um adulto serão insignificantes; na vida de um jovem adolescente significam muito.
Não farei os típicos discursos de um aniversariante que, a bom ver, nem sou eu, pessoalmente, mas sim o blogue que encarno. Esses discursos estão guardados nos anais do primeiro e do segundo aniversários.
Falarei menos de mim e mais do blogue. É previsível supor de que quando tudo começou não passava de uma mera brincadeira.
Porque não criar um blogue?
Surgiu. O nome foi fácil. Com uma súbita inspiração na tour da Mariah, The Adventures of Mimi, porque não criar a minha própria Aventura?
Os primeiros posts foram escassos e o primeiro ano não demonstrou resultados práticos. Poucos textos e pouca atenção para com um espaço pelo qual não nutria o mais pequeno afeto. Era mais um passatempo.
Segundo ano, meados de Setembro. Porque não dinamizar o espaço e torná-lo no espelho da minha vida, da minha consciência e dos meus ideais? Dito, pensado e feito. Dos vários diários que fui escrevendo ao longo da minha infância e da minha adolescência (textos esses que, por vezes, publico), o As Aventuras de Mark ganhou a primazia sobre aqueles velhos suportes de papel que já não despertavam em mim o mínimo interesse.
Descobri todo um mundo que desconhecia. Descobri a blogosfera e, mais, descobri todo o potencial que este veículo de informação tem. Descobri pessoas do outro lado. Pessoas cujos pensamentos podia ler, pessoas que partilhavam opiniões, mais das vezes discordantes (ou não) das minhas, pessoas que sentiam, viviam e amavam...
E foi assim que a fidelidade ao espaço aumentou. Com a fidelidade ao espaço veio a inerente fidelidade às pessoas. Não poderia ser de outra forma.
Por último, resta-me agradecer a todos por estes três anos. A todos, sem exceção alguma.
Continuo a contar convosco nesta aventura!





lots of love,

Mark

1 de maio de 2011

Poema à mãe




No mais fundo de ti, 
Eu sei que te traí, mãe. 

Tudo porque já não sou 
O retrato adormecido 
No fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 
Que há leitos onde o frio não se demora 
E noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
São duras, mãe, 
E o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
Que apertava junto ao coração 
No retrato da moldura. 

Se soubesses como ainda amo as rosas, 
Talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
Esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, 
E até o meu coração 
Ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
Às vezes ainda sou o menino 
Que adormeceu nos teus olhos; 

Ainda aperto contra o coração 
Rosas tão brancas 
Como as que tens na moldura; 

Ainda oiço a tua voz: 
Era uma vez uma princesa 
No meio de um laranjal... 

Mas — tu sabes — a noite é enorme, 
E todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves.
 












Imagem da escultura -  Pietà - Michelangelo

Poema: Eugénio de Andrade