19 de março de 2011

Carta ao Papá



Lisboa, 19 de Março de 2011,

Papá,


Em primeiro lugar, espero que estejas bem. Espero que a vida te sorria a cada momento. Estivemos juntos há pouco tempo, no Porto, precisamente no mês passado quando me convidaste para ir ver um jogo de futebol ao Dragão.
Papá, sei que nos últimos anos não tens sido o pai mais presente, mais amigo, mas no fundo sei que ainda me amas, apesar de estares separado da mãe há seis anos e, dessa forma, separado de mim.
Ainda me recordo dos bons momentos que vivemos durante a minha infância. Sabes, tive uma infância muito feliz. Recordo-me dos nossos passeios pela Avenida da Liberdade, quando me levavas às tuas cavalitas; lembro-me dos nossos passeios em casa da tua mãe, na Ericeira; recordo-me de quando me levavas ao Jardim Zoológico e me compravas um balão. Lembras-te de como eu gostava de balões? Também me recordo de quando me ajudavas nos trabalhos do colégio, de quando chegava a casa e ia ao escritório. Lá estavas tu, alto e moreno, sentado à secretária a preparar relatórios.
Guardo com todo o carinho as coleções de livros que me fazias, da Rua Sésamo, do Corpo Humano, dos Pokémon, etc. Também mantenho as recordações que me trazias das tuas viagens de negócios, bem como todos os brinquedos. Lembras-te de um dia chegares a casa e teres gasto mais de duzentos "contos" no Toys 'R' Us só de uma vez?
Sempre foste um papá amigo e compreensivo. Tratavas-me como eu gostava de ser tratado e nunca por nunca me impuseste uma forma de ser ou agir. Pude viver como era, sem quaisquer condicionalismos externos. Podia brincar, correr, até fazer de borboleta, lembras-te?, que tu nada dizias ou fazias para me repreender. Se queria uma Barbie, tinha uma Barbie; se queria algo menos "comum", tinha algo menos "comum". Era EU. Sabes ao que me refiro...
És, nesse e noutros aspetos, o papá que todos queriam ter, o papá que todos desejavam nos seus sonhos mais profundos.
Contigo aprendi a gostar de gravatas - e hoje posso dizer que são parte integrante do meu ser. Contigo aprendi a ser mais razoável e até mais sociável, apesar de sempre me teres mimado muito.
Tudo corria tão bem até 2006 - o meu annus horribilis.
Separaste-te da mãe e tudo mudou. Foste para longe e quase te esqueceste de mim.
Hoje em dia, já não estamos juntos como outrora, já não me tratas como antigamente, arrisco a dizer que o teu amor mudou. Tens uma nova esposa e - quem sabe - um dia destes, um novo filho. A tua voz já não tem o mesmo calor. Tenho a certeza de que já não gostas tanto de mim. Mesmo no mês passado, notei essa tua ausência de espírito. O corpo estava comigo; a alma não estava ali. Hoje, tens outras prioridades e outros ocupam o lugar que já foi meu.
Se sofro? Sim, sofro, mas sofro para mim.
Não te vou incomodar mais. Continuo a amar-te como dantes. Da minha parte nada mudou. Continuas e continuarás a ser o meu doce e querido papá. Sempre.
Peço-te, contudo, que guardes um pouquinho de mim no teu coração e que nunca esqueças o que de bom vivemos.
Sabes, não te vou enviar esta carta pelo correio. Nunca a lerás e talvez por isso a esteja a escrever. Escrevo-a para mim. São as palavras que ficam por te dizer, sentimentos que ficam por partilhar, memórias que o tempo teima em não levar.

Amo-te,

M.

4 comentários:

  1. Até me emocionei.

    E se calhar devias mesmo dar-lhe a ler a carta...

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  2. Mark, adorei sua carta. Foi muito sentida de sua parte. Também sou da opinião de que deveria entregar essa linda carta a seu pai. Talvez ele lendo todas essas palavras se dê conta de que está se afastando e de que tudo isso está prejudicando a relação de vocês.

    Beijos.

    Laiane

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  3. Muito bom este texto.
    Era bom que o teu Pai o lesse, sabias?

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  4. Faz-me lembrar a cartinha que também escrevi para o meu pai, no meu blog.
    Está muito bonito e sentido, Mark :)

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